Narrativa de "Chernobyl" mostra que melhor ficção não chega aos pés do horror da realidade
Divulgação/HBO |
Acontecimentos retratados em uma ficção e exibidos para espectadores confortavelmente acomodados jamais vão conseguir transmitir a mesma intensidade de reações em comparação com a realidade. Produtos de dramaturgia, como filmes e séries, em determinados casos, assumem a função de se aproximar dessa realidade para fazer com que o público sinta uma parte mínima de um fato relevante. Considerando que "Chernobyl", minissérie da HBO sobre o mais grave acidente nuclear da História, consegue impressionar e horrorizar o espectador com essa percepção limitada sobre o episódio, é possível sentir que o sofrimento causado ali foi imensamente maior do podemos imaginar.
Em cinco episódios impecáveis, a minissérie retrata as causas e consequências da tragédia provocada por um conjunto de erros, que envolvem irresponsabilidade, mentiras e decisões políticas. Em um primeiro momento, a produção foca na explosão do reator Número Quatro da Usina Nuclear de Chernobyl, próxima da cidade de Pripyat, na Ucrânia, até então parte da União Soviética. Com o núcleo do reator exposto, radiação em quantidade inimaginável começa a ser liberada pela estrutura, causando reações imediatas em muitos trabalhadores da usina e socorristas chamados ao local.
Mesmo diante de tamanha tragédia, a primeira medida de algumas figuras de comando do regime soviético é negar a gravidade dos fatos, pensando nos efeitos do acidente para as políticas interna e externa. Por conta disso, por exemplo, o governo determina que o raio de isolamento e evacuação de pessoas seja menor do que o necessário, algo constatado por Valery Legasov (Jared Harris), especialista que passa a analisar a explosão e propor soluções.
Mais do que mostrar efeitos imediatos, "Chernobyl" procura reforçar que as consequências da explosão do núcleo do reator seriam vistas daquele momento, em 26 de abril de 1986, a perder de vista, dado o nível de radiação liberada, que sequer podia ser medida pelos aparelhos que estavam à disposição dos funcionários.
Depois da explosão, a minissérie começa a mostrar o trabalho de análise e investigação de Legasov e Ulana Khomyuk (Emily Watson), que tentam entender como o núcleo de um reator nuclear explodiu, algo até então considerado impossível, especialmente se medidas criadas para evitar esse problema tinham sido adotadas, como parecia ser o caso. Esse trabalho culmina no julgamento dos homens apontados como culpados pelos erros que desencadearam aquele fato.
Algo, no entanto, precisava ser dito além disso tudo. Mais do que apontar as falhas humanas que ocorreram horas antes da explosão, Legasov expõe a responsabilidade do governo soviético sobre a explosão em Chernobyl. Isso faz com que ele pague um preço por desafiar um regime que não tolerava contestações e que era formado por um estrutura de poder que estimulava alguns comportamentos apontados naquele julgamento.
Com uma narrativa intensa, "Chernobyl" tem como maior qualidade o fato de conseguir transmitir ao espectador uma parte do horror causado pela explosão do reator. Esse sentimento causado, que é uma mísera parcela do que os afetados pela tragédia viveram, acaba nos mostrando que talvez nós nunca poderemos imaginar o tamanho do desespero, tristeza e sofrimento provocados pelas mentiras e irresponsabilidades vistas ali.
O roteiro, bem escrito e explicativo, sem cair no didatismo barato, tem muito a contribuir, também, com discussões bastante atuais. Uma delas está relacionada a valores como liberdade, democracia e transparência, que, apesar de questionados por alguns e com as possíveis falhas que podem surgir deles, ainda são os melhores caminhos para a política e a vida em sociedade.
A minissérie da HBO ainda estabelece uma conexão importante com uma tragédia sentida pelos brasileiros, mesmo que possa ser considerada de menor proporção. Na explosão do reator de Chernobyl e no desastre do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, há algo em comum: em ambos os casos, a opção por economizar gastos se sobrepôs ao valor das vidas afetadas pelas consequências dessas escolhas. A opção por uma barragem a montante, mais barata do que os modelos mais seguros, expôs pessoas, animais e a natureza a riscos absurdos, assim como a economia feita na estrutura que poderia ter impedido a explosão do reator nuclear.
Sem sombra de dúvidas, "Chernobyl" é uma das melhores minisséries já produzidas nos últimos anos. Bem-sucedida em refletir uma parcela da tragédia nuclear, a produção acaba dando a dimensão de que aquela ficção, apesar de assustadora e impressionante, sequer chega aos pés do horror das consequências vividas por quem foi afetado pela realidade dos fatos. Só isso já seria suficiente, mas o roteiro ainda permite que o público faça associações e reflita sobre muitos aspectos relevantes dos dias atuais.
CHERNOBYL
ONDE: HBO e HBO GO
COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)
Mesmo diante de tamanha tragédia, a primeira medida de algumas figuras de comando do regime soviético é negar a gravidade dos fatos, pensando nos efeitos do acidente para as políticas interna e externa. Por conta disso, por exemplo, o governo determina que o raio de isolamento e evacuação de pessoas seja menor do que o necessário, algo constatado por Valery Legasov (Jared Harris), especialista que passa a analisar a explosão e propor soluções.
Mais do que mostrar efeitos imediatos, "Chernobyl" procura reforçar que as consequências da explosão do núcleo do reator seriam vistas daquele momento, em 26 de abril de 1986, a perder de vista, dado o nível de radiação liberada, que sequer podia ser medida pelos aparelhos que estavam à disposição dos funcionários.
Depois da explosão, a minissérie começa a mostrar o trabalho de análise e investigação de Legasov e Ulana Khomyuk (Emily Watson), que tentam entender como o núcleo de um reator nuclear explodiu, algo até então considerado impossível, especialmente se medidas criadas para evitar esse problema tinham sido adotadas, como parecia ser o caso. Esse trabalho culmina no julgamento dos homens apontados como culpados pelos erros que desencadearam aquele fato.
Divulgação/HBO |
Com uma narrativa intensa, "Chernobyl" tem como maior qualidade o fato de conseguir transmitir ao espectador uma parte do horror causado pela explosão do reator. Esse sentimento causado, que é uma mísera parcela do que os afetados pela tragédia viveram, acaba nos mostrando que talvez nós nunca poderemos imaginar o tamanho do desespero, tristeza e sofrimento provocados pelas mentiras e irresponsabilidades vistas ali.
O roteiro, bem escrito e explicativo, sem cair no didatismo barato, tem muito a contribuir, também, com discussões bastante atuais. Uma delas está relacionada a valores como liberdade, democracia e transparência, que, apesar de questionados por alguns e com as possíveis falhas que podem surgir deles, ainda são os melhores caminhos para a política e a vida em sociedade.
A minissérie da HBO ainda estabelece uma conexão importante com uma tragédia sentida pelos brasileiros, mesmo que possa ser considerada de menor proporção. Na explosão do reator de Chernobyl e no desastre do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, há algo em comum: em ambos os casos, a opção por economizar gastos se sobrepôs ao valor das vidas afetadas pelas consequências dessas escolhas. A opção por uma barragem a montante, mais barata do que os modelos mais seguros, expôs pessoas, animais e a natureza a riscos absurdos, assim como a economia feita na estrutura que poderia ter impedido a explosão do reator nuclear.
Sem sombra de dúvidas, "Chernobyl" é uma das melhores minisséries já produzidas nos últimos anos. Bem-sucedida em refletir uma parcela da tragédia nuclear, a produção acaba dando a dimensão de que aquela ficção, apesar de assustadora e impressionante, sequer chega aos pés do horror das consequências vividas por quem foi afetado pela realidade dos fatos. Só isso já seria suficiente, mas o roteiro ainda permite que o público faça associações e reflita sobre muitos aspectos relevantes dos dias atuais.
CHERNOBYL
ONDE: HBO e HBO GO
COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)
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