Torcer para quem?

A mocinha da história faz chantagem com a vilã e pede dinheiro para não revelar um segredo que pode mexer com a vida de muita gente. Não satisfeita, ela exige que a antagonista lhe entregue algumas joias que possui. A partir daí, bico fechado e segredo guardado. Mas, até quando?
A descrição acima é um exemplo do embate entre Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves), mocinha e vilã de "Avenida Brasil", novela de João Emanuel Carneiro que a TV Globo exibe no horário das 21 horas. Porém, será que as personagens foram adjetivadas corretamente? Não seria o contrário? A primeira não seria a vilã e a segunda a mocinha? Parece ser essa a vontade do autor: brincar com os estereótipos, trocando os rótulos das personagens.
No início, Nina ainda se chamava Rita e tinha que suportar viver no mesmo teto que a madrasta, Carminha. Após um golpe da vilã e da morte do pai, Genésio (Tony Ramos), Rita é abandonada em um lixão pelo amante da madrasta, Max (Marcello Novaes). Literalmente jogada no lixo, é explorada por Nilo (José de Abreu), mas logo encontra afeto e conforto em Lucinda (Vera Holtz).
A menina, no entanto, não consegue esquecer o que a madrasta fez, mesmo sendo adotada por um bom casal e mudando de país. Anos se passam e Rita, usando o nome de Nina, só consegue pensar em maneiras de se vingar de Carminha, fazendo-a pagar por todas as maldades que cometeu no passado. Na volta ao Brasil, ela consegue se infiltrar na casa da madrasta trabalhando como cozinheira, ganha a confiança da nova patroa e logo se torna querida por todos, inclusive por Tufão (Murilo Benício), o atual marido da mulher que lhe jogou no lixo.
A vingança se torna mais complicada quando ela reencontra Jorginho (Cauã Reymond), um amor de infância que conheceu no lixão e que também é filho de sua maior inimiga. Quando Carminha descobre que Nina e Rita são a mesma pessoa, tenta intimidá-la e fazer com que ela não cruze mais o seu caminho. Uma nova reviravolta acontece e Nina consegue provas que incriminam a vilã e Max. Com isso, um verdadeiro jogo de "gato e rato" se estabelece entre as duas, onde cada uma tenta provar que é mais forte que a outra.
"Avenida Brasil" não é um folhetim comum. Aqui, a protagonista deixa de lado as virtudes e a pureza, que dão lugar a sentimentos como egoísmo, rancor e vingança. Em alguns momentos, Nina se iguala à vilã, tramando, mentindo e acreditando que "os fins justificam os meios". Carminha, por outro lado, tem atitudes semelhantes às da rival, mas consegue contrapô-las demonstrando um amor incondicional pelo filho.
Carneiro soube construir uma bem amarrada história, apostando na dubiedade de seus personagens e enfrentando o tradicional maniqueísmo, sempre presente nas novelas. Para isso, fez com que o público se solidarizasse com o drama vivido pela menina que é jogada no lixão para, depois, inverter o jogo e transformar a "mocinha sofredora" na algoz de sua inimiga.
Mas, nem só desse jogo dúbio vive "Avenida Brasil". A trama também conta com personagens secundários igualmente bem construídos. A família Tufão, com Leleco (Marcos Caruso), Muricy (Eliane Giardini) e companhia, garante boas risadas e tenta mostrar o que é viver com uma família grande: conversas embaralhadas, berros e debates coletivos sobre o núcleo familiar. A periguete Suelen (Ísis Valverde), o "lerdinho" Adauto (Juliano Cazarré) e a cabeleireira suburbana Monalisa (Heloísa Perissé) também se destacam na trama, que ainda traz muitos outros bons atores e personagens. O único ponto fora da curva da novela é o núcleo composto por Cadinho (Alexandre Borges) e suas esposas Noêmia (Camila Morgado), Verônica (Débora Bloch) e Alexia (Carolina Ferraz). Mesmo arrancando algumas risadas, a história deles dá a impressão de nunca sair do lugar.
Claramente mais popular, para tentar fisgar o público da nova classe C brasileira, "Avenida Brasil" rompeu essa barreira e se tornou uma novela capaz de agradar aos mais diversos segmentos de público. Mérito da ideia do autor de brincar com as características da mocinha e da vilã.
Com "Avenida Brasil", João Emanuel Carneiro parece querer confundir os sentimentos do público, trocando os rótulos das personagens. Até o final, muitas vezes, no "frasco" de Nina estará escrito "vilã" e, no de Carminha, haverá a palavra "mocinha". Essas "etiquetas" serão invertidas constantemente, conforme as atitudes e sentimentos delas, ajudando a construir uma trama instigante e viciante. Até o último capítulo, o público fica com uma interrogação na cabeça: Para quem torcer? Pela vingança de uma, pelas circunstâncias da outra ou por nenhuma das duas?

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