"Meu Pedacinho de Chão" é a prova de que a televisão pode e deve arriscar

Em tempos em que se discutem os caminhos que a novela deve tomar para manter-se atual e agradando o público, Benedito Ruy Barbosa e Luiz Fernando Carvalho, respectivamente autor e diretor de "Meu Pedacinho de Chão", folhetim das seis que terminou na sexta-feira (1), na TV Globo, mostraram que o gênero pode apresentado ao público de uma maneira incomum, inspiradora e extremamente bela, apontando que ainda há formas e histórias a serem exploradas pela telenovela.
Abordando temas como política, alfabetização, saúde e cultivo da terra na área rural de um Brasil estilizado, "Meu Pedacinho de Chão" centrou-se na história do menino Serelepe (Tomás Sampaio), que chega à vila de Santa Fé "sem eira nem beira" e passa a viver nas ruas. O garoto conhece Pituca (Geytsa Garcia) e ambos tornam-se amigos. Só que o menino "levado" é perseguido pelo prefeito da cidade das Antas (Ricardo Blat), o que o faz viver fugindo pela região. A proximidade com Pituca faz com que Serelepe ganhe um novo inimigo: o coronel Epaminondas (Osmar Prado), pai da menina, que não tolera a amizade das duas crianças e acaba entregando o menino ao prefeito, que, por sua vez, planeja levá-lo ao orfanato da cidade.
A perseguição ao menino desagrada a mulher do coronel Epa, Catarina (Juliana Paes), que ameaça deixar a fazenda onde vivem por conta da intolerância do marido. Ela também não entende a implicância do coronel com Pedro Falcão (Rodrigo Lombardi), um fazendeiro que quer trazer o progresso para a vila e que, para começar esse processo, contrata a professora Juliana (Bruna Linzmeyer) para dar aula para todos os analfabetos da região. Com medo do "poder" que a população pode ter sabendo ler e escrever, o coronel Epa declara guerra ao fazendeiro e tenta, até mesmo, destruir a escola construída para a professora ministrar as aulas.
Epaminondas ainda arruma tempo para travar sua guerra particular com o filho Ferdinando (Johnny Massaro), que foi estudar na cidade grande e voltou engenheiro agrônomo formado, para desgosto do pai, que o expulsa de casa. É aí que Ferdinando encontra abrigo na casa de Pedro Falcão, passando a ajudá-lo, também, no cultivo da terra de sua fazenda e fazendo prosperar a área, o que alimenta ainda mais a ira do coronel da região.
No final, muita coisa mudou e a trama ganhou novos contornos. Já em paz, o coronel Epa e Pedro Falcão observam Ferdinando e Gina (Paula Barbosa) casarem e unirem as famílias. Mostrando que mudou para melhor, o coronel também decide adotar Serelepe, para alegria de Catarina e Pituca. Já a professora Juliana acerta sua vida sentimental e se casa com Zelão (Irandhir Santos), o braço-direito do coronel. 
"Meu Pedacinho de Chão" é, seguramente, uma das melhores novelas apresentadas nos últimos anos. O primeiro aspecto determinante para isso é a estética apresentada pelo diretor Luiz Fernando Carvalho, que já havia utilizado os mesmos recursos na minissérie "Hoje É Dia de Maria", mas que arriscou ao tentar incluir o estilo nas novelas. A escolha, hoje, mostrou-se acertada. Carvalho abusou das cores, dos cenários, dos figurinos e da edição (dinâmica e vibrante) para contar a história sob uma ótica lúdica, teatral e infantil. Elementos como brinquedos e materiais recicláveis ajudaram a construir um universo criativo e inspirador.
Outro ponto importante, que merece elogios, é o texto de Benedito Ruy Barbosa. Confiando na proposta de Carvalho, o autor explorou o universo rural, sempre presente em suas obras, de uma maneira totalmente diferente. Barbosa teve a habilidade de dosar os clichês do gênero e criar, em cima deles, histórias divertidas e emocionantes, capazes de agradar todos os públicos.
Todo o bom trabalho de texto e direção fez surgir atuações impecáveis, que passam a impressão de terem sido construídas com muito zelo, tal como acontece com mais frequência no teatro. Osmar Prado, Antonio Fagundes, Rodrigo Lombardi, Emiliano Queiroz, Johnny Massaro, Teuda Bara, Paula Barbosa e Ricardo Blat desempenharam muito bem seus papéis. Fiquei particularmente impressionado com os trabalhos de Flávio Bauraqui, Irandhir Santos e Inês Peixoto, esta última uma figura esporádica na televisão, que merece mais destaque na telinha. Não dá para deixar de falar de Juliana Paes, que teve em Catarina a sua melhor personagem na TV.
Por fim, é preciso destacar a trilha sonora da novela, muito bem trabalhada, como todo o resto. Com música instrumental composta por Tim Rescala, a trama foi costurada com a ajuda dos efeitos sonoros, outra marca do trabalho do diretor, que sempre dá muita atenção às músicas. Carvalho também apostou na banda internacional Detotchka para pontuar momentos da história, decisão mais do que acertada, levando em consideração o clima de todo o trabalho. Os musicais, cantados pelos próprios atores, foram a "cereja do bolo" e deram um toque a mais ao folhetim de Barbosa.
Mais curta do que as novelas habituais, "Meu Pedacinho de Chão" poderia, tranquilamente, durar mais tempo no ar, pois presenteou o público com um material lúdico, teatral e extremamente belo. A audiência não correspondeu à qualidade da obra, mas logo as televisões vão descobrir que o modelo atual de medição de audiência já está mais do que ultrapassado. A novela é a prova de que arriscar mudar um gênero já consagrado é válido e pode render frutos inspiradores.

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