Amor aos exageros

Pronto, agora não falta mais nada. Na última semana, a trama de "Amor à Vida", novela das 21 horas da TV Globo, ganhou ares de outro mundo. Com a morte de Nicole (Marina Ruy Barbosa), logo após o casamento dela com Thales (Ricardo Tozzi), a novela conta, agora, com o fantasma da jovem, que promete assombrar a vida do noivo golpista e de Leila (Fernanda Machado), a ambiciosa comparsa de Thales no plano de roubar a fortuna de Nicole.
A trama da "noiva-cadáver" é só mais uma das muitas que o autor, Walcyr Carrasco, reserva para a novela que, há pouco mais de dois meses no ar, possui um ritmo frenético de ganchos e reviravoltas. Traições, revelações, abandono de bebê, maternidade, doenças, erros médicos, amor impossível e diversos outros temas já foram abordados. E a trama nem chegou no capítulo 100. Mas, será que tanto assunto é garantia de qualidade e agilidade do folhetim?
"Amor à Vida" começou contanto a história do amor inesperado e proibido de Paloma (Paolla Oliveira) e Ninho (Juliano Cazarré), que se conhecem no Peru e decidem fugir juntos. Para isso, a protagonista rompe com os pais, Pilar (Suzana Vieira) e César (Antônio Fagundes), e vai viver sua paixão, para alegria do irmão ambicioso Félix (Mateus Solano), que deseja controlar toda a fortuna da família. O amor "mochileiro" dos dois dura pouco e Paloma volta para o Brasil grávida de uma menina.
Numa noite em que discute com Ninho, Paloma entra em trabalho de parto e dá a luz no banheiro de um bar, no centro de São Paulo. Desacordada, a mocinha não vê quando Félix entra no bar e rapta a criança que, posteriormente, é jogada em uma caçamba. Por ironia do destino, naquela mesma noite, Bruno (Malvino Salvador) encontra a menina e decide criá-la como se fosse sua para, assim, preencher o vazio deixado pela morte de seu filho e da esposa.
Anos depois, Paloma e Bruno se aproximam e começam um relacionamento. A mocinha, porém, descobre que Paulinha (Klara Castanho), a filha de seu namorado é, na verdade, a criança que foi arrancada de seus braços na trágica noite de seu parto.
Centrada nas relações conflituosas da família Khoury, dona de um hospital na Avenida Paulista, a trama também foca suas ações no vilão Félix, que esconde ser gay por medo da rejeição do patriarca César. Para ocultar da sociedade a orientação sexual do filho, ele foi capaz de forjar um casamento de aparências com a ex-garota de programa Edith (Bárbara Paz) que, também, é mãe de um filho bastardo de César.
Como se não bastasse, César nunca foi fiel à esposa e teve várias aventuras durante a vida. Em uma delas, envolveu-se com Mariah (Lúcia Veríssimo) e teve uma filha com ela. Enganando a esposa, César fez com que Pilar criasse Paloma como se ela fosse fruto de uma adoção. A descoberta da origem da menina fez com que Pilar sempre tivesse uma relação conflituosa com Paloma, que foi resolvida com a exposição dos fatos para toda a família.
E a miscelânea de tramas não para por aí. A novela também traz a história de Márcia (Elisabeth Savalla), uma ex-chacrete que sonha que a filha Valdirene (Tatá Werneck) case com um homem rico. A dançarina conhece Gentil (Luís Melo) na rua e se apaixona por ele sem saber que, na verdade, ele é Atílio, um dos executivos do hospital que perdeu a memória por conta das armações de Félix. Também têm destaque no folhetim: o relacionamento de Michel (Caio Castro) e Patrícia (Maria Casadevall); a obstinação da enfermeira Perséfone (Fabiana Karla) em perder a virgindade; as dificuldades da família de Linda (Bruna Linzmeyer), que possui autismo; a tentativa do casal Eron (Marcelo Antonny) e Niko (Thiago Fragoso) em adotar uma criança; e, claro, da noiva-fantasma Nicole.
Como dá para perceber, "Amor à Vida" é uma novela recheada. A proposta do autor é dar, a cada semana, um "gás" diferente para a trama, tentando evitar o arrastar dos acontecimentos. Isso seria o grande mérito da história mas, ao que parece, Walcyr Carrasco perdeu a mão. As reviravoltas e desfechos dos personagens, ao invés de prender o espectador, pesam toda a novela. Isso é muito perceptível no núcleo familiar central do folhetim: tudo parece acontecer com a família Khoury.
Em uma semana, Paloma perde seu bebê. Na outra, ela começa a namorar com Bruno e, em seguida, começa uma guerra por Paulinha. Nem bem recuperada do trauma de descobrir que a menina não é sua filha, graças a uma armação de Félix, ela descobre que não é filha de Pilar. Aí começa o calvário da mocinha em busca de sua verdadeira mãe. Em seguida, a família descobre que Félix é gay, o que provoca uma nova crise familiar. Na semana seguinte, César faz de tudo para reconciliar o filho com a esposa mas, logo depois, descobre que é o pai daquele que pensava ser seu neto. E a novela ainda nem chegou ao meio.
Na ânsia de querer construir uma história dinâmica e atrativa, o autor também cai em muitas repetições. Já está pedante ver a periguete Valdirene atrás de um famoso ou milionário (ou os dois) para dar o golpe do baú. A saga de Perséfone para perder a virgindade também já cansou. E, como se não bastasse, o surgimento do fantasma de Nicole promete assombrar Thales várias e várias vezes.
Outro ponto crítico de "Amor à Vida" é o texto, sempre declamado e que trava a interpretação de alguns atores. A "rigidez" com que as palavras saem da boca dos personagens prejudica o ritmo da novela e torna alguns diálogos caricatos e superficiais.
"Amor à Vida", no entanto, também possui bons momentos. A maternidade de Paloma e os conflitos com Bruno, que criou Paulinha como se fosse sua filha, já renderam boas cenas à trama. Os esquecimentos de Atílio e seu relacionamento com Márcia sempre resultam em sequências engraçadas e leves. Os dilemas de Félix quanto a sua opção sexual também já produziram diálogos e discussões interessantes sobre preconceito.
Ótimas atuações se sobressaem: Elisabeth Savalla, Tatá Werneck, Vanessa Giácomo, Eliane Giardini, Mateus Solano, Antônio Fagundes, Paola Oliveira, Bruna Linzmeyer, Fernanda Machado, Nathalia Timberg, Klara Castanho e Luís Melo fazem bonito. Já outros atores talentosos, como Ary Fontoura, Neusa Maria Faro e Fúlvio Stefanini, se repetem e parecem presos a outros personagens que o próprio Walcyr Carrasco já escreveu para eles em folhetins anteriores.
Fazendo um balanço, dá para perceber que "Amor à Vida" é uma novela controversa. O folhetim possui bons momentos, mas peca pelo texto e em apostar no ritmo frenético de tramas e reviravoltas. No final, talvez estaremos saturados de tantos conflitos e problemas dos personagens, típicos de grande dramalhões. Esse é o preço pago por apostar em tantos exageros.

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