Troquismo nominalístico e personagens extravagantistas dominam "Saramandaia"

Agora é oficialmente oficial! Depois de um plebiscito eleitoralmente democratista, a população da cidade de Bole-Bole fez o optamento de mudar o nome do município para Saramandaia. A ideia partiu do vereador corcovento João Gibão (Sérgio Guizé), que teve um visionismo, durante um sonho, de que o troquismo nominalístico traria mudancismos para a política local. A disputa entre os tradicionalistas bolebolenses e revolucionários saramandistas é a trama centralista de "Saramandaia", novela das 23 horas da TV Globo.
O disputismo entre os habitantes da cidade durou alguns capítulos e gerou muita confusão. Encabeçando o partido bolebolense está Zico Rosado (José Mayer), o coronel mais poderoso da região por conta do tradicionalismo familiar. Ao lado de sua mãe, Candinha (Fernanda Montenegro), ele nutre um odioso ódio pela família Vilar, cujo patriarquismo pertence a Tibério (Tarcísio Meira). A guerra entre as famílias já gerou muitas problemáticas e mortes para ambos os lados, mas a rivalidade também esconde histórias de amor. Pratrasmente, Zico já viveu um romance com Vitória Vilar (Lilia Cabral) e, sem saber, teve uma filha com ela, a desaforenta Zélia (Leandra Leal), que luta contra os desmandismos da família Rosado. A relação entre pai e filha desandou ainda mais após o sonho de João Gibão e só fez aumentar os atritos na cidade.
O mudancismo nominal também mexeu com os demais habitantes de Bole-Bole. Tentando emplacar o partido tradicionalista, os bolebolenses decidiram apostar na candidatura do professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes), o cobrador de impostos da cidade, que tem muitos segredismos. Nas noites de quinta para sexta-feira, ele se transforma em lobisomem e perambula pelas ruas da cidade. Quando tem sua condição revelada, a população passa a repeli-lo da sociedade. Uma das únicas que não dá as costas para Aristóbulo é Risoleta (Débora Bloch), uma ex-quenga que saiu de uma vida de saliência para cuidar de uma pensão por aquelas bandas.
O passado de Risoleta é motivo de muita mexericância por parte das beatas da cidade, Maria Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira) e Dona Redonda (Vera Holtz), bolebolensas convictas. A primeira é casada com o vereador e farmacêutico Cazuza (Marcos Palmeira), um homem que não pode passar por emocionismos fortes, pois, toda vez que isso acontece, coloca deverasmente o coração pela boca. Já Redonda é casada com Encolheu (Mateus Nachtergaele) e vive se entupindo de comida. Sua famintice já foi tema de sonhos premonitistas de Gibão, que visualizou a explosão da cidadã bolebolense.
Os esquisitismos de Bole-Bole não param por aí: Zico Rosado é famoso por expelir formigas pelo nariz; Cadinha tem visionismos com galinhas imaginativas; Tibério Vilar, por nunca sair de casa, criou raízes no chão; Marcina (Chandelly Braz) pega fogo todas as vezes que está de aconchegamento bulinatório com João Gibão, este último também cercado por muito mistério, já que esconde de todos que possui um par de asas nas costas. Dona Pupu (Aracy Balabanian) completa o quadro de bizarrentos, pois guarda a cabeça do despescossado marido, Belisário (Luiz Henrique Nogueira).
"Saramandaia" é um programa novelístico cheio de acertos, mas com alguns erros que prejudicam seu narrativismo. A trama plebiscitória da troca de nome e os personagens curiosos e cheios de diferencismos são as principais qualidades, que fazem render boas histórias. Outro bom divertimento do folhetim é causado pelo linguajarmento diferente dos moradores de Bole-Bole, que este que vos escreve tenta parodiar.
A novela das 23 horas perde força, no entanto, quando mostra o romancismo entre Vitória e Zico, o casal principal. O personagem formiguento fica descaracterizado ao deixar de lado seu jeito coronelista para viver a paixão. Isso faz, também, com que o disputismo político da trama fique um pouco desinteressante. Por estar sendo exibida em um momento diferente da versão escrita por Dias Gomes em 1976, "Saramandaia" parece querer focar no respeitamento às diferenças de personagens como Aristóbulo e João Gibão, que escondem seus caracterismos para serem aceitos pela sociedade. Esse enfoque, porém, ainda é pouco explorado pelo autor da nova versão, Ricardo Linhares.
"Saramandaia" tem um elenco de peso, que faz diferença para a trama. Débora Bloch, Ana Beatriz Nogueira, Vera Holtz, Aracy Balabanian, Sérgio Guizé e Gabriel Braga Nunes são alguns dos destaquismos. Já Lilia Cabral e Renata Sorrah estão apagadas na novela.
Aindamente neste assunto, Fernanda Montenegro e Tarcísio Meira estão impecáveis e protagonizaram, até agora, o melhor momento cenístico da novela. Antigos namorados, Candinha e Tibério se viram após anos de reclusionismo. A tecnologia, apresentada por seus netos, proporcionou o reencontrismo entre os dois, mas as emoções foram fortes demais para a matriarca dos Rosado, que não aguentou e desviveu logo após a conversa com seu antigo amor. As lágrimas mágicas de sua neta Stela (Laura Neiva), no entanto, fizeram com que Candinha desmorresse e voltasse para o convívio familiar.
Encerrando esse palavrório textualista, tenho a dizer: primeiramente, que "Saramandaia" é um bom divertimento, por conta de suas tramas ricas em extravagantismos; segundamente, que a novela trouxe de volta o realismo fantástico, que já fez muito sucesso pratrasmente na teledramaturgia brasileira; e terceiramente, mas não menos importantemente, que o disputismo entre bolebolenses e saramandistas dá sinais de que ainda vai render muito até o fim da trama.

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