Primeira fase de "Velho Chico" privilegia qualidade do texto e estética marcante de diretor

Divulgação/TV Globo
Durante algum tempo, convencionou-se que o horário das 21 horas, considerado nobre nas grades das televisões, seria reservado exclusivamente, na TV Globo, para novelas urbanas. A decisão trouxe produtos destinados a retratar, entre outros assuntos, a ascensão das classes mais humildes e a violência cada vez mais presente nos grandes centros. Para "sacudir" e horário e tentar estancar a fuga de público do gênero, a emissora carioca voltou ao universo lúdico e rural do interior do Brasil e exibe "Velho Chico", trama de Benedito Ruy Barbosa que inicia uma nova fase na segunda-feira (11).
Nos primeiros 24 capítulos, que formaram a primeira fase do folhetim, o público foi convidado a acompanhar um enredo sustentado pela clássica disputa entre famílias inimigas, consagrada há tempos por William Shakespeare em "Romeu e Julieta". Aqui, no entanto, o cenário é o interior do Nordeste brasileiro, às margens do Rio São Francisco, referência explícita no nome da novela. Ali, em Grotas do São Francisco, a família Sá Ribeiro comanda a produção de algodão da região e influencia politicamente o lugar. Os desmandos do coronel Jacinto de Sá Ribeiro (Tarcísio Meira), no entanto, incomodam o capitão Ernesto Rosa (Rodrigo Lombardi), que luta contra a influência da família rival no mercado de algodão.
A disputa entre os dois passa a ditar o comportamento dos moradores da região, que são obrigados a escolher um lado da "guerra" para apoiar. A morte do coronel, porém, acaba alterando a composição do conflito, já que Afrânio (Rodrigo Santoro), o único filho vivo dos Sá Ribeiro, formado advogado em Salvador, precisa voltar ao interior para assumir, contra a vontade, os negócios da família. Além de começar a lidar com a guerra entre as famílias, ele também enfrenta a dura rejeição da mãe, Encarnação (Selma Egrei), que, além de amargurada pela morte do marido, ainda se mostra frustrada pelo falecimento do outro filho.
Com a morte do coronel, Ernesto Rosa tenta assumir o mercado de algodão da região. Para tocar a fazenda e a plantação, ele passa a contar com a ajuda de Belmiro (Chico Diaz), que veio do sertão, ao lado da esposa Piedade (Cyria Coentro), fugindo da seca. O capitão ainda encontra apoio da mulher, Eulália (Fabíula Nascimento), que dá forças para o marido na disputa com os Sá Ribeiro.
Com o passar do tempo e depois de golpes e mortes em ambos os lados, as famílias rivais enfrentam o maior problema de todos: Maria Tereza (Julia Dalavia), filha de Afrânio, e Santo (Renato Góes), filho de Belmiro e Piedade, se apaixonam e acirram, ainda mais, o ódio entre os dois lados. Além dos conflitos com a filha, o coronel Afrânio também encara suas próprias questões amorosas, já que, depois de um período casado, ele volta para Iolanda (Carol Castro), para desgosto de sua mãe.
Divulgação/TV Globo
Escrita por Edmara Barbosa e Bruno Luperi, que desenvolvem a história original de Benedito Ruy Barbosa, "Velho Chico" mostrou-se, nessa primeira fase, um "alívio criativo" para um horário tão viciado e sem grandes novidades. O enredo clássico e eficiente resgata os elementos clássicos do gênero novelístico, trazendo aspectos lúdicos e mais ficcionais para o horário, tão acostumado a buscar retratar o cotidiano moderno. O texto dos autores impressiona pela qualidade das falas e condução da narrativa, que retrata muito bem o espírito de Ruy Barbosa. Um detalhe, que me conquista muito em qualquer produção, é o uso dos "silêncios", que aqui são muito bem "preenchidos" com intenções e sons naturais da paisagem.
O grande destaque da novela vai para o visual estético do diretor Luiz Fernando Carvalho, que já provou, em outras oportunidades inclusive, que possui um dos olhares artísticos mais criativos da televisão. Com uma paleta de cores belíssima, enquadramentos inspirados e edição marcante, o diretor assume, definitivamente o papel de co-criador dos trabalhos que ajuda a levar ao ar. Há, ainda, uma quebra de paradigma estético muito importante no folhetim. Dedicado ao naturalismo, Carvalho não quer seus atores bem arrumados e impecáveis em cena. Pelo contrário, o diretor faz questão que a sujeira e o suor da vida, típicos de um lugar como aquele, estejam à vista do público. O resultado louvável, no entanto, tem causado estranheza no público. As imagens impressionantes concebidas por ele são pontuadas, ainda, por uma excelente trilha sonora, com forte influência dele e do músico Tim Rescala.
A escolha do elenco também foi muito importante para a primeira fase de "Velho Chico", mesclando novos rostos e atores já consagrados. Rodrigo Lombardi, Chico Diaz, Cyria Coentro, Rodrigo Santoro, Renato Góes e Julia Dalavia tiveram bons desempenhos. Vale aqui, no entanto, um destaque maior para Carol Castro, Fabíula Nascimento, Tarcísio Meira e Selma Egrei, esta última em um momento muito especial e, talvez, em seu melhor trabalho na TV. Carol, é importante dizer, também nunca havia sido tão bem aproveitada como agora e passa o bastão em alta para Christiane Torloni, que assume Iolanda na segunda fase.
Por enquanto, "Velho Chico" ainda não encontrou uma resposta tão positiva do público, o mesmo que, curiosamente, reclama da falta de novidades no horário. Com uma primeira fase muito especial, como poucas vezes se viu em uma produção televisiva, a novela tem a árdua missão de continuar, na segunda fase, a manter a mesma qualidade do texto e a mesma estética do diretor, um grande desafio, aliás, em produções de ritmo "industrial", como são os folhetins brasileiros. Por enquanto, pelo menos, dá para dizer que "Velho Chico" levou beleza e poesia para o horário das 21 horas.

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