"Better Call Saul" valoriza trajetória dos personagens e se aproxima de "Breaking Bad"

Divulgação/Netflix
Sou daqueles que considera "Breaking Bad" a melhor série de todos os tempos, o patamar de excelência a ser alcançado pelas demais produções do gênero. Mesmo assim, confesso, tive minhas restrições com "Better Call Saul", o spin-off focado na vida do advogado Saul Goodman (Bob Odenkirk). Falhei duas vezes em acompanhar a atração, assistia aos primeiros episódios, mas nunca continuava. Não me interessei pelos primeiros passos do personagem, desde as tentativas de representar os Kettleman até os encontros com Chuck (Michael McKean). Aconselhado por alguns amigos, persisti na história e, rapidamente, me vi totalmente envolvido a ponto de maratonar as cinco temporadas em poucos dias.
"Breaking Bad" é uma obra tão completa que nunca fez diferença para mim saber como alguns personagens secundários tinham chegado até o momento em que cruzaram o caminho de Walter White (Bryan Cranston) e Jesse Pinkman (Aaron Paul). Parecia que aquilo já se justificava e estava do tamanho adequado, deixando a impressão que qualquer revisita a esse universo poderia parecer forçada ou sem sentido. Essa visão foi acentuada depois do lançamento de "El Camino", o filme desnecessário que serviu de epílogo para a jornada de Pinkman. Só que eu estava enganado sobre isso ser aplicado à trajetória de Saul Goodman.
Vince Gilligan e Peter Gould conseguiram provar, em cinco temporada, que "Better Call Saul" merecia mesmo existir. Mais do que isso: a história é tão consistente que saiu da sombra de "Breaking Bad" e brilha pelos próprios méritos, ainda que carregue muitas semelhanças. Esse é, aliás, um dos grandes acertos da proposta. Os criadores da série entregam aos fãs personagens e tramas conhecidas, mas imprimem frescor e mais substância a esse material.
O spin-off se assemelha muito à produção original quando pensamos no arco narrativo dos personagens, especialmente os de Goodman e Kim Wexler (Rhea Seehorn). Ao longo dos episódios de "Better Call Saul", vemos surgir a mesma discussão levantada por "Breaking Bad": a partir de acontecimentos ou oportunidades, um ser humano se transforma ou se revela?
Desde a primeira temporada, o roteiro da série vai, aos poucos, mostrando como o fracassado e subestimado James McGuill assume a identidade de Saul Goodman, o que vai muito além de uma simples mudança de nome. Com um passado de golpes, o personagem tenta adotar uma postura de retidão, mas nunca consegue enquadrar a verdadeira personalidade nessa vida. Durante essa trajetória, a complexidade dele também fica evidente nos momentos em que os limites são testados e a culpa parece consumir a consciência do advogado.
Divulgação/Netflix
A trajetória de Kim se revela tão rica e complexa quanto a do personagem principal, especialmente nessa quinta temporada. A advogada já vinha dando sinais de uma transformação (ou seria revelação?) de personalidade. Tentando se manter distante dos métodos de Goodman no início, Kim foi mostrando certo fascínio pelas emoções de "sair da linha".
Da mesma forma que em "Breaking Bad", "Better Call Saul" aposta na convivência e conflitos de uma dupla para conduzir a história, mas, a julgar pelos últimos episódios lançados, dá sinais de que pode subverter a lógica da série original, onde Pinkman se opunha à escalada de White. Aqui, Goodman, a figura central, é aquele que ainda carrega alguma hesitação no percurso de um caminho duvidoso, enquanto Kim parece cada vez mais fascinada por esse destino.
No quinto ano da série, também vemos Mike (Jonathan Banks) cada vez mais envolvido no arco narrativo de Goodman, depois de um tempo em que as histórias andaram de forma paralela. Após começar a trabalhar para Gus Fring (Giancarlo Esposito), o ex-policial auxilia o advogado na tarefa de libertar Lalo Salamanca (Tony Dalton) da cadeia e ainda tenta protegê-lo da desconfiança do integrante do cartel de drogas. Os acontecimentos provocados nesse núcleo podem gerar boa movimentação na sexta e última temporada.
"Better Call Saul" herda de "Breaking Bad" uma sofisticação narrativa que pode fazê-la alcançar o nível de qualidade da série original. Os criadores e roteiristas não se apressam em nada, a narrativa tem um tempo próprio para construir personagens e estabelecer conflitos. Esse nível de planejamento e desenvolvimento fazem com que tudo pareça se encaixar perfeitamente na história, não há cenas ou ações gratuitas. O ritmo do roteiro, inclusive, valoriza a trajetória dos personagens, que desabrocham na frente do espectador de uma forma muito coerente.
Fico feliz de ter superado a resistência inicial a "Better Call Saul" e acredito até que descobri a série no momento certo, podendo ver as cinco temporadas já disponíveis de uma vez. Com uma narrativa sólida e justificada, que valoriza os personagens apresentados, a produção mostrou que a trajetória de Saul Goodman é tão interessante quanto a de Walter White. Se o nível continuar o mesmo no sexto e derradeiro ano, a atração pode chegar ao mesmo patamar de importância de "Breaking Bad".

BETTER CALL SAUL (cinco temporadas disponíveis)

ONDE: Netflix

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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