"Bom dia, Verônica" eleva patamar de qualidade das séries brasileiras

Divulgação/Netflix

Não é de hoje que a literatura policial serve de inspiração para as séries de TV brasileiras. Adaptações de obras de grandes autores do gênero, como Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza, levaram para as telas personagens como o advogado Mandrake e o detetive Espinosa, que, com maior ou menor êxito, contribuíram para a construção de um interesse por esse mercado. Faltava, no entanto, uma figura feminina para o grupo, uma mulher complexa inserida em um suspense capaz de hipnotizar os espectadores. Não falta mais.

"Bom dia, Verônica", adaptação do livro homônimo de Raphael Montes e Ilana Casoy, coloca as mulheres no foco da narrativa e não faz isso apenas por ter uma protagonista feminina. A série, disponibilizada na plataforma de streaming Netflix, tem o diferencial de mesclar o suspense com uma abordagem relevante sobre as várias violências que são alimentadas, especialmente, pelo machismo.

A figura central da história é a escrivã Verônica Torres (Tainá Müller), uma mulher que carrega marcas de um passado traumático por conta de um crime que envolveu os pais dela. A personagem mergulha nas buscas por um homem que engana mulheres em aplicativos, mas sempre acaba esbarrando em questões burocráticas e no próprio olhar machista da corporação policial para seguir com as investigações.

Apesar dos obstáculos, o trabalho de Verônica ganha destaque e chega até Janete (Camila Morgado), uma dona de casa que aparenta levar uma vida comum e feliz com o marido, Brandão (Eduardo Moscovis), que atua como policial militar. Essa percepção superficial esconde uma rotina de abusos e violências, tanto físicas quanto psicológicas, o que faz com que ela tenha o impulso de pedir a ajuda da escrivã para resolver o problema.

Aos poucos, a protagonista e o público descobrem que Brandão é um criminoso em série, que escolhe um tipo específico de vítimas e ainda obriga a esposa a presenciar uma rotina de torturas, estupros e homicídios.

Investigando Brandão, Verônica encontra uma dificuldade que vai além da proteção da farda. O policial, assim como outras pessoas em posição de autoridade, faz parte de um misterioso grupo que tem o objetivo de inserir membros em diferentes camadas de poder da sociedade. Por conta disso, a personagem acaba descobrindo detalhes do passado dos pais ao mesmo tempo em que compromete a segurança do marido e dos filhos.


Divulgação/Netflix


A literatura policial sempre foi uma rica fonte de inspiração para a indústria audiovisual e isso se repete com "Bom dia, Verônica", uma série que não se contentou apenas em levar aos espectadores uma boa trama de suspense. O entretenimento abraçou uma temática muito relevante sobre as violências que atingem mulheres todos os dias e que não podem ficar impunes, por mais que o machismo da sociedade procure justificá-las.

Da exploração da imagem do corpo feminino à violência física presente na rotina doméstica, a série discute o tema sob diversos aspectos. O grande trunfo do roteiro é ir além do superficial nessas abordagens, mostrando, por exemplo, como as agressões podem atuar no psicológico dessas mulheres. Quando Brandão explora as fragilidades de Janete e procura isolá-la do mundo, seja controlando o acesso dela ao dinheiro ou o contato com a família, isso já deixa claro que a violência não deve ser encarada apenas como uma marca roxa no corpo.

É preciso destacar o ótimo equilíbrio que "Bom dia, Verônica" encontrou entre a narrativa de ficção e a abordagem da temática real. Inserindo esses debates relevantes no contexto da história, o roteiro cria um suspense que hipnotiza o espectador com ganchos e mistérios, marcados por uma estética macabra. O resultado não fica devendo a outras produções internacionais e eleva o patamar de qualidade das produções brasileiras do gênero.

Desde o lançamento da série, muito se falou sobre os trabalhos de Tainá Müller e Eduardo Moscovis, realmente ótimos como Verônica e Brandão. O papel mais difícil, no entanto, ficou com Camila Morgado, que, mesmo vivendo uma mulher agredida e retraída, aparece gigante em cena. Dos olhares ao tom de voz, passando pela postura corporal, tudo agrega muito na construção da vítima das agressões. A atriz consegue transmitir toda a complexidade que faz a personagem agir e, em seguida, hesitar em se livrar da convivência com o marido criminoso. É um trabalho excepcional.

"Bom dia, Verônica" apresenta um nível de qualidade a ser alcançado por outras produções brasileiras do gênero. Além de colocar figuras femininas no centro de um suspense policial, a série faz uma importante escolha ao equilibrar ficção e um tema socialmente relevante, que pode e deve ser aproveitado em projetos de entretenimento para estimular reflexões sobre o machismo e as várias violências contra as mulheres.

BOM DIA, VERÔNICA (primeira temporada)

ONDE: Netflix (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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