"Fera Ferida" e o melhor do realismo fantástico

Em reprise no canal Viva, "Fera Ferida" vive dias agitados por conta de uma misteriosa água, que "brotou" em uma fonte na cidade de Tubiacanga. O líquido surgiu próximo ao local em que foram enterrados Feliciano (Tarcísio Meira) e Laurinda (Lucinha Lins), que morreram depois de uma perseguição causada pela "febre do ouro" naquele lugar. A fonte, cuja água ficou conhecida como "Xixi de Defunto" pelos moradores da cidade, foi descoberta pelo coveiro Orestes (Cláudio Marzo), que jura poder se comunicar com os mortos e que o líquido é um sinal daqueles que "já passaram dessa para uma melhor".
Engarrafada, a água da fonte gerou muita confusão em Tubiacanga, a começar pela solteirona Ilka Tibiriça (Cássia Kiss Magro), que experimentou o líquido e, por isso, perseguiu o cunhado Demóstenes (José Wilker), seminua, pelas ruas da cidade. O próprio perseguido, aliás, também tomou a água e virou o perseguidor da casta Maria dos Remédios (Luiza Tomé). Para completar, a filha dele, Linda Inês (Giulia Gam), também experimentou do líquido e se atirou nos braços do forasteiro Raimundo Flamel (Edson Celulari).
A trama do "Xixi de Defunto" é apenas um dos exemplos de um gênero novelístico que fez muito sucesso na televisão brasileira no passado e que, atualmente e infelizmente, foi esquecido. O chamado realismo fantástico, consagrado por Dias Gomes, rondou diversas histórias da teledramaturgia e divertiu o público, que esquecia da realidade e embarcava nas propostas dos autores. A reprise da novela me fez querer lembrar de outros bons momentos do realismo fantástico na telinha, que fazem falta nos folhetins de hoje:

- FERA FERIDA (1993)

Ainda continuando em Tubiacanga, a cidade também abriga outros eventos estranhos, que vão além do "Xixi de Defunto" e da comunicação do coveiro Orestes com o além. Ali também vive Raimundo Flamel, um alquimista que tenta transformar ossos humanos em ouro, o que mexe com a ganância dos moradores da cidade, que passam a violar as sepulturas do cemitério local. Castigado por seu mestre alquimista pelo feito, Flamel passa a transformar tudo que toca em ouro, o que afeta, inclusive, sua amada Linda Inês. A jovem Camila (Claudia Ohana) é outra personagem do universo fantástico da trama de Aguinaldo  Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn. A menina chega a dormir vários meses sem acordar e só desperta quando sente o cheiro de estrogonofe de bacalhau. O quadro se completa com a fogosa Rubra Rosa (Suzana Vieira), que coloca fogo em tudo que está ao redor quando faz amor com o amante, Demóstenes.


- SARAMANDAIA (1976 e 2013)

Dias Gomes é, sem sombra de dúvidas, o criador dos tipos mais curiosos da televisão brasileira e ele decidiu concentrar muitos desses personagens na cidade de Bole-Bole. Ali, João Gibão (Juca de Oliveira/Sérgio Guizé) escondia um par de asas de todos. Mas, sua esquisitice não estava sozinha. Havia, ainda, o coronel Zico Rosado (Castro Gonzaga/José Mayer), que soltava formigas pelo nariz; a jovem Marcina (Sônia Braga/Chandelly Braz), que literalmente pegava fogo; o farmacêutico Cazuza (Rafael de Carvalho/Marcos Palmeira), cujo coração saía pela boca; e o professor Aristóbulo (Ary Fontoura/Gabriel Braga Nunes), que virava lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira. Uma das figuras mais ilustres do lugar era Dona Redonda (Wilza Carla/Vera Holtz), uma mulher que explodiu de tanto comer. Para contribuir com esse universo, na segunda versão da trama, escrita por Ricardo Linhares, ainda surgiram: Tibério (Tarcísio Meira), que criou raízes no chão; Tereza (Lilia Cabral), que se derretia (literalmente) pelo amado Zico Rosado; Candinha (Fernanda Montenegro), que tinha visões de que estava cercada por galinhas; e Stela (Laura Neiva), cujas lágrimas eram capazes de ressuscitar alguém.


- PEDRA SOBRE PEDRA (1992)

Depois de Dias Gomes, o trio composto por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn foi responsável por outros dos grandes tipos que marcaram o realismo fantástico na televisão. Lá pelas bandas de Resplendor, além da rivalidade entre as famílias Batista e Pontes, personagens pitorescos deram o que falar. Um deles era Sérgio Cabeleira (Osmar Prado), que precisava ser trancado em uma jaula para não voar pelo céu nas noites de lua cheia. O fotógrafo Jorge Tadeu (Fábio Jr.), nem depois de morto dava sossego para as mulheres da cidade, que recebiam a visita do defunto quando comiam a flor que nascia em seu túmulo. Resplendor ainda presenciou o desfecho do vilão Cândido Alegria (Armando Bogus), que acaba virando pedra após uma explosão.


- ROQUE SANTEIRO (1985)

Em uma trama mais política e sobre a construção de um mito, Dias Gomes também colocou o realismo fantástico em meio aos moradores de Asa Branca. Na cidade, todos comentavam as esquisitices do professor Astromar (Rui Resende), cujas fofocas davam conta de que se transformava em lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira, trama já abordada em Saramandaia. O fato despertava a curiosidade da dançarina Ninon (Cláudia Raia), que era louca para dar de cara com a criatura que frequentava o cemitério de Asa Branca.


- A INDOMADA (1997)

O que dizer de uma cidade chamada Greenville, colonizada por ingleses e localizada no interior no Nordeste, onde todos os habitantes misturam o sotaque típico da região com termos em inglês? Isso, por si só, já é um aspecto curioso da novela de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares. Mas, como se não bastasse, eles ainda acrescentaram à história situações nada usuais. Ali, a vilã Altiva (Eva Wilma) morre e se transforma em uma fumaça roxa no céu, ameaçando a todos com a frase "I will be back". Também havia o jovem Emanuel (Selton Mello), que surpreende a cidade ao se transformar em um anjo, e o delegado Motinha (José de Abreu), que cai em um buraco e vai parar do outro lado do mundo. Isso, sem contar, um fenômeno que faz com que duas luas apareçam no céu da cidade e provoquem a líbido do casal Scarlet (Luiza Tomé) e Ypiranga (Paulo Betti). 

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