Volta de David Letterman mostra que boa conversa ainda tem espaço no mundo sob demanda

Em meio a uma programação variada, algumas coisas me fazem interromper o ato de zapear pelos canais ou buscar algo para ver nos serviços de streaming e conteúdo sob demanda. Entre essas atrações que prendem a minha atenção, estão as entrevistas, que podem render boas reflexões, trazer informações e despertar curiosidades sobre assuntos ou figuras conhecidas. Durante décadas, um dos entrevistadores que esteve no centro desse universo foi David Letterman, que recebia os mais variados convidados no "The Late Show", programa que, mesmo focado no entretenimento, costumava ser palco de algumas discussões relevantes.
Após mais de trinta anos no ar, observando as mudanças do mundo e a proliferação acelerada de programas semelhantes, que vinham apostando mais no show do que no talk, Letterman deixou o formato que o consagrou e passou pouco mais de dois anos em uma "aposentadoria". Agora, ele está de volta com "My Next Guest Needs No Introduction", série especial de entrevistas produzidas para o serviço de streaming Netflix.
No primeiro programa, Letterman escolheu entrevistar um outro "aposentado", o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Em um momento de tensão para o Tio Sam, com Donald Trump ocupando o Salão Oval da Casa Branca, a conversa com o primeiro presidente negro da potência mundial soa extremamente oportuna e rende boas reflexões, inclusive, para entendermos o que acontece no Brasil e em outras partes do mundo.
Sem citar nominalmente Trump, Obama expõe alguns pensamentos sobre o último processo eleitoral norte-americano e, especialmente, sobre o sentimento de polarização que domina o mundo a passos largos. Ao falar sobre o consumo de informações e o radicalismo em defender um ponto de vista, sem nem mesmo se propor a conhecer o outro lado, o ex-presidente abre um canal para um debate que, mais do que nunca, precisa ser feito.
Em outro momento, Obama é questionado sobre preconceito e tolerância, assuntos que também esbarram em ações de Donald Trump. Para abordar os temas, Letterman relembra a marcha da cidade de Selma até Montgomery, no Alabama, em 1965, quando a comunidade negra caminhou pelo direito ao voto. De forma inteligente e pertinente, a abordagem mostra que a luta pela igualdade beneficia todos, não apenas grupos específicos.
Como toda boa conversa, Obama e Letterman também falam sobre assuntos triviais da vida, como filhos, relacionamento e atividades profissionais, tudo com muita descontração e simplicidade.
Além de trazer David Letterman de volta da "aposentadoria", "My Next Guest Needs No Introduction" reforça que boas conversas e reflexões ainda têm espaço e relevância em um mundo repleto de opções e consumo sob demanda. Vale a pena escolher o programa de entrevistas no catálogo variado do Netflix, mesmo que só haja um episódio disponível até agora. Espero, inclusive, que, além das seis entrevistas programadas, outras muitas surjam para ocupar esse espaço no serviço de streaming.

MY NEXT GUEST NEEDS NO INTRODUCTION (primeira temporada)

ONDE: Netflix

QUANDO: episódios mensais; o primeiro já está disponível

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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