Um brado ficcional sobre a realidade

"Esta é uma obra coletiva de ficção baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade". Esses dizeres, ao final dos capítulos da série "O Brado Retumbante", que terminou na última sexta-feira (27), perdem totalmente o sentido quando exibidos entre os créditos finais dessa trama.
Escrita por Euclydes Marinho, a série acompanha os 15 meses de mandato do presidente Paulo Ventura (Domingos Montagner), que foi forçado à assumir o cargo após o helicóptero em que estavam o presidente e o vice-presidente do Brasil ter sofrido um acidente. Com uma vida particular atribulada, Ventura se mostra um presidente ético, avesso à corrupção e aos desmandos dos poderosos do governo. Com suas atitudes, o presidente provoca e ira de muitos políticos corruptos, como a do ministro Floriano Pedreira (José Wilker).
Na vida pessoal, Ventura tem uma relação conturbada com a esposa, Antônia (Maria Fernanda Cândido), por conta de suas constantes "puladas de cerca". Com os filhos, ele também possui um relacionamento complicado, principalmente com Júlio (Murilo Armacollo), que volta para o Brasil para enfrentar o pai e assumir sua transexualidade.
"O Brado Retumbante" trouxe para a TV as disputas pelo poder, os esquemas, a politicagem e a falta de escrúpulos de muitos políticos brasileiros. A série, mesmo não tendo "nenhum compromisso com a realidade", abordou temas familiares ao cotidiano da população, como os erros em livros didáticos distribuídos para as escolas públicas ou os desmantelamentos de seguidos esquemas de corrupção.
Ouvi e li muito por aí que a série, apresentando um presidente ético e incorruptível, traz para a TV um personagem caricato e extremamente idealizado. É verdade. Paulo Ventura é um político caricato e idealizado, mas isso é proposital. Mostrando um personagem como esse, a série quer nos fazer enxergar como deve ser difícil para um político honesto participar do governo de um país com uma política podre e disfuncional. "O Brado Retumbante" quis fazer com que nós pensássemos naquela máxima: "Na política, ou você se corrompe ou cai fora".
Os ótimos trabalhos de Domingos Montagner, Maria Fernanda Cândido e José Wilker merecem destaque. As participações de Luiz Carlos Miele, Hugo Carvana, Mariana Lima e Cecília Homem de Mello também são dignos de elogios.
Por sua trama política absolutamente baseada na "folha corrida" do Brasil, é impossível dizer que a série não possui nenhum compromisso com a realidade. Ela é um compromisso com a realidade. Que outros brados como esse possam nos chamar atenção para a real situação da política do nosso país.

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