Bons momentos finais não escondem falhas de "Amor à Vida"

César e Félix: aceitação no fim
Qualidade e audiência andam de mãos dadas? "Amor à Vida", primeira novela de Walcyr Carrasco no horário das 21 horas, mostrou que uma trama problemática e irregular pode cair nas graças do público, apesar de tudo. Segurando a audiência em frente à TV, os personagens carismáticos seguraram a novela e fizeram do folhetim um sucesso de público e nas redes sociais, recuperando uma parte da audiência perdida do horário nobre global. Mesmo assim, foi impossível ignorar as reviravoltas inverossímeis da trama, o texto didático e declamado do autor e o mau aproveitamento de personagens.
No último capítulo, a vilã Aline (Vanessa Giácomo) decidiu revelar a César (Antônio Fagundes) seu plano de vingança contra ele. Instigado com as revelações da mulher, César descobre que a ex-esposa Pilar (Susana Vieira) foi a responsável por provocar o acidente que matou a mãe de Aline e lesionou Mariah (Lúcia Veríssimo), a amante de César e mãe biológica da mocinha Paloma (Paola Oliveira). Tomados por um espírito generoso, os familiares perdoaram o erro de Pilar e a matriarca da família Khouri não foi castigada no fim.
Presa por seus plano maquiavélicos, Aline usou o dinheiro que tinha roubado de César para entrar em um esquema de fuga da cadeia com outras detentas. A vilã decidiu pular o muro do presídio durante uma briga entre as presas e acabou morrendo eletrocutada na cerca de segurança, que deveria estar desligada. O casal protagonista Bruno (Malvino Salvador) e Paloma, que já estavam sem história na trama há algum tempo, realizaram uma benção para selar a união. Bruno, assim como no primeiro capítulo, viu a mulher sofrer com o parto de seu filho mas, desta vez, tudo caminhou para o final feliz.
O ex-vilão Félix (Mateus Solano) foi o ponto alto do capítulo final de "Amor à Vida". Coube ao personagem os melhores momentos do encerramento da trama, entre eles, o tão esperado beijo entre ele e Niko (Thiago Fragoso). Depois de levar o pai para uma casa de praia e cuidar dele, Félix ainda conseguiu se reconciliar com o César, que não aceitava a opção sexual do filho. Em uma bela sequência, os dois selam a paz, para poderem viver juntos.
Márcia e Valdirene: destaques, apesar de tudo
"Amor à Vida" conseguiu conquistar o público, inegavelmente, por conta de seus personagens carismáticos. Graças à interpretação de Mateus Solano, o vilão Félix caiu nas graças da audiência, o que provocou sua redenção e o final feliz ao lado de um novo e inesperado amor. Márcia, papel da ótima Elizabeth Savalla, foi outro destaque do folhetim, mesmo nos momentos onde o autor parecia não saber o que fazer com a personagem. O mesmo pode-se dizer da piradinha Valdirene (Tatá Werneck) e o "palhaço" Carlito (Anderson Di Rizzi), que, apesar do talento, também sofreram com a falta de rumo para seus personagens. A atuação de Bruna Linzmeyer também deu destaque merecido para a história da autista Linda. César, no início, também era um bom personagem da trama, mostrando suas qualidades e defeitos morais. Do meio para o final da trama, os rumos da história desfavoreceram o papel, que perdeu a importância.
A condução da trama e o texto, para mim, foram os erros mais grosseiros da novela. Querendo apresentar uma história ágil e surpreendente, Walcyr Carrasco perdeu a mão e o controle de "Amor à Vida". Apostando em muitas reviravoltas, o autor teve a oportunidade de explorar bons temas, mas só "gastou cartuchos". A abordagens de assuntos como alcoolismo, virgindade, lúpus, HIV e obesidade foram "jogados" no vendaval da história e, na mesma velocidade em que apareceram, se dissiparam. A rotina frenética de mudanças fizeram uma grande vítima na trama: Ninho (Juliano Cazarré) mudou de personalidade durante os 200 capítulos, pelo menos, umas quatro vezes e ficou descaracterizado.
Caio Castro e Maria Casadevall: sexo e nada mais
O texto de "Amor à Vida" foi outro ponto fraco. Declamado e didático ao extremo, o roteiro cansou e soou falso e robótico durante toda a novela. O didatismo, aliás, é uma característica de Walcyr Carrasco, que conseguiu maquiá-lo com tramas melhores em outras ocasiões e horários.
Com personagens carismático, "Amor à Vida" também foi a outro extremo e apresentou personagens sem função alguma para a história. José Wilker, Francisco Cuoco, Fúlvio Stefanini, Ary Fontoura, Nathália Thimberg, Carolina Kasting, Cristina Mutarelli, Neusa Maria Faro, Renata Castro Barbosa e Vera Mancini fizeram apenas figuração de luxo. Caio Castro e Maria Casadevall passaram meses transando em tudo quanto é canto... e mais nada fizeram.
Pesando prós e contras, "Amor à Vida" termina com saldo negativo no final. O bom final, aliado aos personagens carismáticos criados por Walcyr Carrasco, não foi capaz de esconder tantas falhas e irregularidades da história.

O esperado beijo: Doeu?
Apesar dos defeitos, "Amor à Vida" deixou sua marca na história da teledramaturgia brasileira. A novela será lembrada por ter sido a primeira a apresentar um beijo entre dois homens no horário mais concorrido e caro da TV Globo. Para selar o final feliz de Félix e Niko, o autor escreveu um beijo entre os personagens, que foi ao ar no último capítulo, contrariando os "moralistas" e preconceituosos de plantão.
Confesso que sempre achei essa discussão sobre o momento de exibir esses beijos na televisão um pouco equivocada e, até mesmo, besta. Nos Estados Unidos, por exemplo, há vários anos, os produtos televisivos de dramaturgia já exibem beijos e outras demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo sem que, para isso, houvesse repercussão ou polêmica do tema anterior à exibição da cena. O beijo está lá, faz parte da história e pronto. 
Também não podemos esquecer que o público, apesar de se dizer liberal, é muito conservador no Brasil, assim como os órgãos que regulamentam o conteúdo apresentado na televisão aberta. Neste sentido, cenas como a de demonstração de amor entre Niko e Félix são importantes para quebrar paradigmas e evoluir a discussão sobre direitos iguais e respeito às escolhas do próximo. "Amor à Vida" mostrou o beijo entre dois homens e eu pergunto: doeu? Se incomodou, aperte o controle remoto e troque de canal.

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