Bom tema foi mal executado em "Salve Jorge"


Já é uma característica do trabalho de Glória Perez adotar um tema social em suas novelas. Clonagem, dependência química, esquizofrenia e cleptomania foram assuntos debatidos pela autora em outros folhetins. "Salve Jorge", novela que terminou nesta sexta-feira (17), na TV Globo, teve como fio-condutor o tráfico internacional de pessoas. Diferente de outras situações, em que o roteiro conseguiu desenvolver bem o tema proposto, aqui isso não aconteceu.
A trama contou a história de Morena (Nanda Costa), que vivia no Morro do Alemão ao lado do filho e da mãe, Lucimar (Dira Paes). Após engatar um romance com Théo (Rodrigo Lombardi), ela recebe uma proposta para trabalhar em um café na Turquia. Quando chega lá, levada por Wanda (Totia Meirelles), Morena descobre que seria obrigada a trabalhar como prostituta em uma boate, sob os olhares de Russo (Adriano Garib) e Irina (Vera Fisher).
Assim como Jéssica (Carolina Dieckmann) e outras meninas traficadas, Morena sofre com a condição em que vive até que consegue fugir e entregar pistas da quadrilha para a delegada Helô (Giovanna Antonelli). As informações levam a polícia até Lívia Marine (Cláudia Raia), uma famosa agente de modelos que, mesmo acima de qualquer suspeita, é a chefe do grupo responsável pelo tráfico humano.
Ainda no tema do tráfico de pessoas, "Salve Jorge" também falou sobre a venda de bebês. Diversas vezes, Lívia e Wanda iam até suas "fornecedoras" para pegar a "mercadoria" e repassá-la aos "compradores". Foi dessa maneira que Berna (Zezé Polessa) conseguiu a filha Aisha (Dani Moreno), sem o conhecimento do marido Mustafá (Antônio Calloni).
Depois de quase oito meses de conflitos, o último capítulo da novela trouxe todos os desfechos para o enredo proposto por Glória Perez. Com a ajuda de Morena, Helô e a polícia federal conseguem prender a quadrilha de Lívia, libertando da boate todas as garotas traficadas. Com isso, a protagonista pôde viver feliz ao lado de Théo, no Complexo do Alemão. Depois de conhecer e se entender com sua família, Aisha também teve um final feliz junto aos pais, separados após as descobertas da participação de Berna no tráfico de pessoas.
Apesar de interessante, o tema central de "Salve Jorge" foi mal desenvolvido. As situações em que Morena foi colocada, como ir e voltar do Brasil para a Turquia, não convenceram e deixaram o assunto distante da realidade, para não dizer absurdo. A famosa "barriga" prejudicou a novela, já que alguns desfechos eram constantemente adiados. A repetição de situações também fez mal ao folhetim, ajudando nessa sensação de enrolação e falta de assunto.
 A falta de assunto, aliás, foi ocasionada, em parte, pela inexistência de boas tramas paralelas. Apesar de uma quantidade enorme de personagens, não havia histórias secundárias que prendessem a atenção do espectador. Nívea Maria, Nicette Bruno, Ana Beatriz Nogueira, Stênio Garcia, Natália do Vale, Elisâgela, Jandira Martini, Cléo Pires, Rosi Campos e Walderez de Barros fizeram figuração de luxo e pareciam estar de passagem em "Salve Jorge". Os problemas no roteiro, no entanto, não impediram que alguns atores cumprissem bem seus papéis, entre eles: Nanda Costa (muito bem, apesar das críticas), Totia Meirelles, Zezé Polessa, Giovanna Antonelli, Carolina Dieckmann, Solange Badim, Nando Cunha, Roberta Rodrigues e Alexandre Nero.
Além dos furos na história, alguns outros detalhes também foram difíceis de engolir em "Salve Jorge". Ninguém acreditou na igreja de São Jorge aberta em plena madrugada, onde Théo e Morena se reencontraram. O fato de Lívia ter matado Raquel (Ana Beatriz Nogueira) com uma seringada dentro de um elevador de um hotel cinco estrelas em Istambul foi, no mínimo, absurdo, uma vez que câmeras costumam monitorar as ações nesses ambientes. A autora, posteriormente, até tentou justificar o erro dizendo que a chefe do tráfico tinha gente infiltrada no hotel, mas não convenceu. E, eu não vou nem comentar o fato de Morena e Théo só voltarem ao Brasil, no capítulo final, tempos depois de a quadrilha já ter sido presa e alguns enredos já estarem solucionados. Os cabelos rebeldes de Morena, revelados por um gritante erro de continuidade da direção, também saltaram aos olhares do público.
A construção de alguns personagens e enredos foi outro ponto negativo da história. Lívia começou como uma psicopata, fria e calculista, e terminou como uma ressentida e vingativa mulher apaixonada. Théo só era "O Cara" na música cantada por Roberto Carlos, porque, na trama, era volúvel, inseguro, influenciável e dependente da mãe, Áurea (Suzana Faini). Exposta nos três últimos capítulos, a trama em torno da paternidade de Celso (Caco Ciocler) e da fortuna de Leonor (Nicette Bruno) poderia ter sido um bom gancho para outros conflitos da novela. Porém, a autora resolveu usá-lo apenas no final, enquanto o meio do folhetim padeceu da falta de temas.
"Salve Jorge" tinha assunto central muito interessante e, mesmo que mal executado, seu alerta para a sociedade ficou como resultado positivo da novela. Isso, porém, não conseguiu excluir e fazer o público esquecer dos furos e problemas na trama. Por conta de sua função social, "Salve Jorge" perdeu a oportunidade de ser um trabalho importante para a televisão brasileira.

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