"Amor & Sexo" em tempos menos hipócritas


A TV Globo exibia, há alguns anos, a novela "Páginas da Vida", de Manoel Carlos. No final de cada capítulo do folhetim, era apresentado um depoimento de uma pessoa que tivesse algum momento marcante da vida para contar. Em um deles, uma mulher dos seus 60 e poucos anos apareceu e relatou a primeira vez que atingiu um orgasmo. Isso tinha acontecido aos 43 anos, enquanto se masturbava ouvindo uma música de Roberto Carlos. Até então, essa mulher nunca tinha tido um orgasmo, nem quando era casada.
Na época, houve quem "caísse de pau" na novela por exibir um depoimento como esse. A revista Veja fez uma matéria repercutindo com as pessoas o acontecido. O que se via na reportagem eram mães "defendendo a família brasileira" e afirmando que o depoimento feria a "moral e os bons costumes". Uma outra mãe disse: "Meu filho estava na sala. Tivemos que disfarçar, como íamos explicar para ele aquilo?". A apresentadora Sônia Abrão foi outra que criticou a iniciativa da novela. Achou um absurdo o depoimento ter ido ao ar daquela maneira e que a produção da novela deveria ter roteirizado as falas daquela senhora. Agora, eu me pergunto, roteirizar não iria deixar o depoimento artificial? Se isso acontecesse, aposto que apareceriam pessoas criticando a falta de veracidade da fala.
Pulando para 2011, nesta terça-feira (22), foi ao ar o último episódio da temporada de "Amor & Sexo", apresentado por Fernanda Lima. Um programa que, como definiu a própria apresentadora, é uma provocação. Uma provocação que pretende fazer com que as pessoas possam tratar o sexo com mais naturalidade e que esse assunto deixe de ser um tabu. Para isso, propõe uma conversa informal sobre posições sexuais, aparatos para apimentar a relação e situações inusitadas que podem acontecer numa brincadeira a dois.
O bom humor e a descontração foram infalíveis para o programa alcançar o sucesso. Quadros como "Stripquiz" e "Jogo de Cama" estão presentes para incentivar um papo mais despudorado sobre gostos e preferências dos homens e das mulheres nas relações.
O ponto alto do programa também fica por conta do "Sexo Selvagem", um quadro em que Fernanda Lima e André Marques partem de alguma curiosidade da vida sexual de um animal para debater questões da sexualidade humana.
Para a temporada deste ano, o programa lançou o "Gayme", quadro em que três gays disputam um cruzeiro pelo litoral do Brasil. As provas, sempre muito bem-humoradas, têm a intenção clara de enterrar qualquer preconceito existente no telespectador.
Ainda há matérias feitas por dois representantes da terceira idade. Fábio e Valéria mostram que sexo não tem idade. No último programa, foram descobrir as curiosidades de trabalhar em um sex shop.
"Amor & Sexo", em 2011, propõe apresentar o sexo com mais naturalidade para os telespectadores. "Páginas da Vida", em 2006, apresentando o depoimento de uma mulher que tinha descoberto o orgasmo aos 43 anos de idade, também propunha uma discussão sobre o tema, deixando-o mais natural e comum para sociedade. 
Enquanto que o programa de Fernanda Lima fez sucesso apresentando e falando sobre temas muito mais "cabeludos", o depoimento daquela senhora na novela causou o maior estardalhaço. O que teria mudado no telespectador para não querer atirar pedras na Globo por apresentar um programa como "Amor & Sexo"? 
Será que o público da faixa de horário do programa é diferente do da novela das 20 horas? Ou será que a maneira como o depoimento foi apresentado foi mais "agressiva" do que  como o programa aborda as questões relacionadas ao sexo? Para essas duas perguntas, a resposta é: Talvez. Mas, particularmente, quero pensar que a sociedade esteja ficando um pouco menos hipócrita.

Comentários

  1. Do ponto de vista antropológico, podemos nos questionar que importância têm os tabus para a construção de uma identidade cultural. As pessoas sabem, é claro, que seus pais e seus avós têm uma vida sexual, que é, em última instância, o que permitiu que elas próprias viessem a existir. Todavia, imaginar tais atos sexuais é muitas vezes um tabu, exatamente porque essa lacuna serve para manter o status quo de nossa cultura. Há, em minha opinião, uma linha muito tênue entre a informação saudável e a banalização da atividade sexual. Voltando ao ponto de vista antropológico, não se pode descondiserar que a mera existência de tabus é importante para a manutenção de uma cultura.

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