Amor, revolução e beijo


Quando estreou, em abril, “Amor e Revolução” já causava polêmica. Militares que envolvidos com a ditadura no Brasil protestaram contra a novela e o autor, Tiago Santiago, que prometia “enfiar no dedo na ferida” ao mostrar cenas de torturas e como eram os tratamentos dados aos subversivos. No capítulo desta quinta-feira (12), o folhetim repercutiu ao exibir o primeiro beijo entre duas mulheres em uma novela brasileira.
Quando foi anunciada, achei muito interessante uma novela com essa proposta. Diferentemente de outras produções em que a ditadura militar é um mero pano de fundo para a trama central, aqui ela é o centro das atenções. Todas as ações da novela se desenvolvem a partir dos acontecimentos da época. Em algumas entrevistas dadas antes de “Amor e Revolução” estrear, Tiago Santiago disse que ia fazer um folhetim realista, mas que não deixaria a ficção de lado. Isso permitiria que ele criasse cenas baseadas em eventos importantes da época e, também, pudesse inserir os personagens nesses momentos.
No entanto, “Amor e Revolução” provou não ter o “gás” de uma boa trama. Os diálogos da novela são muito arrastados e, por vezes, didáticos demais. Sobre o didatismo, o autor já se pronunciou dizendo que isso vai acabar por volta do capítulo 60, mas que era necessário pois o telespectador mais novo não conhece determinados momentos e termos usados na época. Pessoalmente, não tenho nada contra o didatismo. Sou um dos telespectadores mais novos que não viveu naquela época e, portanto, não conheço determinadas passagens. Mas, acho irritante a maneira de didatismo que a novela escolheu para se explicar. Muitas vezes, uma conversa entre duas pessoas se transforma num verdadeiro discurso sobre o tema e o diálogo acaba ficando falso. Acho importante, por exemplo, explicar o que foi o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro). Mas, que se explique uma vez e pronto. Não é necessário detalhar o que é toda vez que o termo foi citado. Fica pedante, chato mesmo.
Outro ponto que prejudica o andamento da novela são os efeitos “especiais” apresentados. As cenas de conflito entre os militares e os subversivos são muito falsas e provocam mais risadas do que qualquer outra coisa. Dia desses, os militares foram atirar granadas em um grupo de revolucionários, mas, quando os artefatos explodiram, pareciam bombinhas de São João. Será que o orçamento para os efeitos acabou? Tomara que não.
Falando sobre as cenas de torturas, em entrevistas dadas recentemente, Tiago Santiago disse que vai diminuir a intensidade em que elas aparecem, pois o público ainda as rejeita. Com isso, investirá em mais amor e menos revolução. Espero que não sejam totalmente extintas da novela, afinal, como contar uma história sobre a ditadura sem torturas e repressões?
Mesmo que tenha alguns problemas, “Amor e Revolução” também tem boas qualidades. A trilha sonora é impecável e nos faz revisitar clássicos daquela época. “Cálice”, “Pra Não Dizer Que Eu Não Falei das Flores”, “Baby”, “Alegria, Alegria” e “Roda Viva” estão presentes e ajudam a dar o clima da história. A abertura, aliás, também é ótima. Alguns atores se destacam em um elenco, de um modo geral, fraco: Jayme Periard, Reinaldo Gonzaga, Antônio Petrin e Cláudio Cavalcanti estão bem em seus papéis. Os depoimentos de pessoas que viveram ativamente a ditadura, no final de cada capítulo, também são bons e ajudam a fazer a ponte entre ficção e realidade.
Mas, vamos falar do que aconteceu no capítulo desta quinta-feira. Pela primeira vez em uma novela brasileira, foi levada ao ar uma cena de beijo entre duas mulheres. Marcela (Luciana Vendramini) se confessa apaixonada por Marina (Gisele Tigre) e tasca aquele beijo nela. Palmas para Tiago Santiago e para o SBT, que teve a coragem de exibir a cena sem ser intimidado por represálias e protestos da “família brasileira”. Um beijo assim em uma novela ainda é polêmico pois se discute muito sobre o assunto. 
Tenho a impressão que ficar criando enquetes ou perguntar para as pessoas o que elas acham de uma cena como essa só alimenta a rejeição do público para o assunto. Nos Estados Unidos, essas cenas já são corriqueiras e levadas ao ar sem qualquer aviso prévio e medo de repressão. Indo mais à fundo na discussão, talvez o brasileiro precise aprender, antes de ver uma cena dessa no ar, a respeitar a liberdade do outro. Muitos dizem: “eu não entendo como um homem ou uma mulher podem ser gays”. Ninguém precisa entender nada, mas todo mundo precisa aprender a respeitar. Palmas para “Amor e Revolução” por ter levado essa cena ao ar.

AMOR E REVOLUÇÃO

QUANDO: de segunda a sexta-feira

ONDE: SBT

HORÁRIO: 22h30

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