"Mulheres de Areia" cobertas pelos "panos" da moral

Quando a TV Globo anunciou que "Mulheres de Areia", clássica telenovela brasileira escrita por Ivani Ribeiro, iria suceder "O Clone" no "Vale A Pena Ver De Novo", também surgiu a notícia de que sua abertura seria adaptada para esconder a nudez que ilustrava a vinheta da novela. Nesta segunda-feira (12), o folhetim voltou ao ar, mas coberta por "panos".

Digo isso porque acredito que a abertura de uma novela funciona como uma apresentação da trama que será contada aos espectadores. Pode parecer idiotice para alguns, mas acho que ela auxilia na maneira e no ritmo que a novela é apresentada. Na reestreia de "Mulheres de Areia", uma nova abertura foi levada ao ar.

De acordo com o blog do jornalista Maurício Stycer, a TV Globo anunciou que a abertura da trama seria adaptada para camuflar a nudez que apresentava. Diz a explicação da emissora publicada no blog do Stycer: "Tendo como base seus Princípios e Valores, a Globo resolveu adaptar a abertura para o Vale A Pena Ver De Novo, tornando menos explícitas cenas de nudez. Embora esta abertura tenha ido ao ar com a novela em 1993, a emissora avaliou que não era compatível com os padrões morais atuais do país".

A mudança me incomodou. Tinha apenas quatro anos na primeira exibição da novela, mas conheço a abertura e algumas passagens da trama, memórias essas vindas da segunda exibição no mesmo "Vale A Pena Ver De Novo" e de vídeos na internet. Então, quando a música "Sexy Iemanjá", de Pepeu Gomes, começou a tocar e a abertura apareceu, a exibição parecia de uma outra novela. Seria um remake? Não. Era a reprise mesmo, mas com uma abertura diferente. Fiquei pensando: o que faz os padrões morais de um país retrocederem de 1993 para cá? Por que não nos incomodávamos com essa abertura naquela época e podemos nos incomodar agora?

Para começo de conversa, a tal nudez nem é lá uma nudez. É só uma insinuação, silhuetas de mulheres que rodam por entre os efeitos que imitam areia. Em que isso pode afetar a moral das pessoas que sentam em frente à TV naquele horário? Eu aposto que, se zapearmos por entre os canais, podemos encontrar coisas muito semelhantes e que até podem ser consideradas mais pesadas. O jornalista Maurício Stycer disse, ainda em seu blog, que a mudança pode ter ocorrido pelo temor de que a novela tivesse sua classificação indicativa refeita e, com isso, fosse considerada imprópria para ser exibida no período da tarde.

Confesso que as palavras "classificação indicativa" me causam certo incômodo. A necessidade desse tipo de classificação é facilmente discutível: há aqueles que defendem esse controle e que a programação da TV precisa passar por esse crivo para não exibir conteúdo considerado impróprio para determinados públicos; e há os que acham que a classificação indicativa funciona como uma espécie de censura, que restringe a programação. Pessoalmente, acredito que esse tipo de controle pode podar e engessar alguns produtos exibidos. Quer dizer que, se eu resolver escrever uma novela das 18 horas e porventura quiser abordar algum tema que seja considerado pesado por alguém para o horário, esse tema deve ser retirado da minha obra  ou "amaciado" para não atingir o "moralmente aceito"? Não concordo com isso, mas também não posso dizer que uma pessoa que pense o contrário está errada. 

Muita gente diz que seus filhos, por exemplo, podem estar em frente à TV na ocasião da exibição de uma cena mais "forte" e que deve existir um controle sobre o que é levado ao ar. O que muita gente se esquece é que esse controle pode e deve sair da casa delas, que são responsáveis pela programação que seus filhos assistem. Ainda seguindo o exemplo dado, as novelas das 21 horas são classificadas para maiores de 12, 14 anos, mas sempre que alguma cena mais "forte" vai ao ar, não é raro ouvirmos alguém reclamar que aquilo fere a "moral" da família brasileira e que tinham filhos menores vendo aquele programa. Daí, eu me pergunto: o que esses filhos estavam fazendo lá? A classificação existia, mas os pais permitiram que os filhos vissem. Então, por que existe? Se vai existir, que seja uma via de mão dupla. Não faz sentido nenhum ela existir se não for respeitada.

Enfim, essa discussão é longa e cheia de entretantos. Acho que falta critério para definir o que fere a "moral" e o que não fere. A mim, fere muito mais assistir um político que rouba na TV do que uma insinuação de nudez boba. Mas, isso é muito subjetivo e se os "padrões morais" do país retrocederam, só posso lamentar. E digo mais: esse tipo de discurso sempre me deixa um gosto de "falso moralismo" na boca, gosto amargo diga-se de passagem. Pobres mulheres de areia, que foram cobertas pelos "panos" da moral e dos bons costumes. Queria eu poder arrancar esses "panos" daí.