"O Clone": temática ainda desconhecida dez anos depois da primeira exibição

"O sucesso da clonagem humana torna concreta e presente a realidade assustadora pintada por Huxley no 'Admirável Mundo Novo', onde ele imagina seres copiados em série, onde ele imagina que de uma única pessoa poderá fazer 96... 96 gêmeos idênticos operando máquinas iguais."
Quis começar esse post sobre o final da novela "O Clone", de Glória Perez, com essa frase levada ao ar em um dos últimos capítulos da trama. Na ocasião, um juiz decidia sobre a paternidade de Léo (Murilo Benício), o clone de Lucas (também Benício). Como explicar a filiação de um clone? Ele é filho dos pais de Lucas ou filho de Deusa, a mãe que o gerou? Esses eram os questionamentos do julgamento que terminou determinando que Leônidas (Reginaldo Faria) e sua esposa já falecida eram os pais do clone Léo. Após uma contestação judicial, Deusa foi reconhecida como a verdadeira mãe, mas Leônidas continuou como pai do clone.
A trama de "O Clone" gira em torno da experiência de Albieri (Juca de Oliveira), um cientista que trabalha com clonagem de bezerros. Vaidoso e sonhando em colher as glórias, Albieri decide clonar Lucas após a morte do irmão gêmeo dele, Diogo. Para isso, usa os óvulos de Deusa, que estava fazendo um tratamento para engravidar em sua clínica de fertilidade. Todos os envolvidos, direta ou indiretamente, desconhecem, no entanto, a experiência de Albieri. O tempo passa, o clone cresce e se desenvolve até cruzar o caminho de Jade (Giovanna Antonelli), uma muçulmana apaixonada por Lucas, mas que, por diversas circunstâncias novelísticas, teve que viver separada dele. Quando encontra Léo, a cópia 20 anos mais nova de Lucas, Jade fica confusa e acaba tendo um romance com ele.
A vida e os costumes dos muçulmanos e as diferenças entre os seus hábitos e o dos brasileiros foi bem representada pela família de Mohammed (Antônio Calloni) e Latifah (Letícia Sabatella), que sofriam para criar seus filhos dentro dos preceitos de Alá numa terra onde as mulher são "espetaculosas e vivem fazendo exposição da figura pelas ruas". Cabia, também, a Áli (Stênio Garcia) mostrar e difundir para o espectador os costumes do povo árabe.
A trama sobre as drogas também chamou atenção em "O Clone". Mel (Débora Falabella) era uma jovem de família rica que se envolve com drogas e tem a vida virada do avesso. Os personagens Nando (Thiago Fragoso) e Lobato (Osmar Prado) também mostraram como a vida de uma pessoa pode ser afetada por causa das drogas. A inserção de depoimentos reais entre as cenas dos personagens ajudou a tornar o assunto mais atual e palpável, mostrando que o problema pode acontecer com qualquer pessoa.
O mérito maior de "O Clone" é, no entanto, conseguir transformar um assunto mais "elitizado" em popular, sendo inserido em uma trama de novela. Isso pôde fazer com que as questões morais e éticas sobre a clonagem pudessem ser debatidas por pessoas comuns. Afinal, que implicações podem existir no nascimento de um clone? É direito de um homem poder criar uma vida ou isso cabe a Deus? Um clone tem alma ou só quem pode criá-la é Deus? Todas essas e muitas outras questões sobre clonagem foram debatidas na novela sem que, no entanto, a obra se tornasse culta demais e de difícil assimilação do público em geral.
No último capítulo, o cientista Albieri é denunciado ao Conselho de Ética de Medicina e fica desesperado com a repercussão que sua experiência tomou. Não sabendo se ia ser crucificado ou endeusado, Albieri decide sumir. Léo, o clone, também sofria por não saber qual era sua real identidade e qual era seu lugar no mundo. No fim, criador e criatura desaparecem por entre as areias do deserto do Marrocos. Áli, que narra o fim dos personagens, diz: "Albieri é um Deus que não sabe o que fazer com sua criatura".
Hoje, dez anos depois da primeira exibição da novela, a clonagem ainda é um assunto novo e desconhecido para as pessoas, Mas, o debate que "O Clone" gerou foi válido para que todos possamos refletir sobre o tema. Termino com uma frase também dita em um dos últimos capítulos da trama e que mostra como o assunto ainda é uma incógnita para todos: "A clonagem humana ainda é um desafio para a humanidade, porque ainda desconhecemos suas consequências para o clone e para a sociedade". Será que já existe um clone por aí?

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