Enrolação e incoerências prejudicaram andamento de "Império"

Divulgação/TV Globo
Aguinaldo Silva, indiscutivelmente, é um grande novelista e responsável por sucessos emblemáticos da televisão como "Vale Tudo", "Roque Santeiro", "A Indomada" e "Senhora do Destino". Com "Império", seu último trabalho do horário das 21 horas, cujo último capítulo foi ao ar nesta sexta-feira (13), o autor tinha uma proposta interessante, que faz falta hoje em dia, de resgatar os "novelões" de outrora. O encerramento do folhetim provou que a intenção era boa e que Silva soube escolher bons ingredientes para isso, mas erros graves no andamento da novela deixaram tudo "na promessa".
O capítulo final colocou fim na saga do comendador José Alfredo (Alexandre Nero), que criou, a qualquer custo, um império no mercado das joias e viu tudo desmoronar com a ameaça do misterioso Fabrício Melgaço, um homem desconhecido que queria roubar toda a fortuna do empresário. Com a revelação de que Melgaço era, na verdade, seu filho José Pedro (Caio Blat) e de que este era ajudado pelo mordomo Silviano (Othon Bastos) e por Maurílio (Carmo Dalla Vecchia), o imperador teve que enfrentar o sequestro de Cristina (Leandra Leal), sua filha bastarda.
Nas mãos de José Pedro, a mocinha foi usada como moeda de troca, para que o vilão recuperasse toda a fortuna que havia roubado do pai. Negando o pagamento do resgate, José Alfredo vai ao encontro do filho e, amparado por seu fiel empregado Josué (Roberto Birindelli), consegue impedir a ação, que culmina com as mortes de Silviano e Maurílio. Ferido, José Pedro recebe clemência do pai, que se nega a matar o filho, mas acaba dando um tiro e matando o comendador.
Abaladas, as filhas Cristina e Maria Clara (Andreia Horta), a esposa Maria Marta (Lilia Cabral) e a "sweet child" Maria Isis (Marina Ruy Barbosa), amante do comendador, decidem fazer uma homenagem e despejar as cinzas de José Alfredo no alto do Monte Roraima, local que funcionava quase que como um santuário e onde, ainda jovem, ele começou sua fortuna. Escondido da família, o "herdeiro do trono" João Lucas (Daniel Rocha) também vai para o local e, ao achar um objeto do pai, assume a posição de novo imperador das joias.
"Império" começou sua trajetória com elementos que prometiam render bons momentos para a novela. A trama era promissora e privilegiava as histórias de personagens contraditórios, como Maria Marta e José Alfredo, que instigavam o espectador a analisá-los além dos maniqueísmos habituais. Mais do que apenas bons ou maus, os protagonistas eram complexos, humanos, construídos a partir de virtudes e falhas. 
Divulgação/TV Globo
A trama principal, que acabou se transformando em policial, foi sendo diluída durante os meses de exibição da novela e perdeu força. Esticando os acontecimentos ao máximo, para postergar os desfechos da história, o autor utilizou recursos que empobreceram o enredo, principalmente o lado policial, como cenas desconexas e ações repetitivas, que causaram a chamada "barriga" que arrastou o folhetim até o fim. "Império" terminou cambaleante e causando a sensação de que tudo poderia ter sido resolvida muito tempo antes. Isso prejudicou muitos personagens, não só o núcleo central da novela. A falta de assunto, especialmente no meio da novela, não poupou, por exemplo, Cora (Drica Moraes/Marjorie Estiano), que prometia ser uma grande vilã mas ficou restrita a situações repetitivas, que não levaram a personagem a lugar algum e provocaram, inclusive, sua saída antes do fim.
Mesmo apresentando bons personagens centrais, "Império" foi marcada por uma gama de tipos incoerentes, que enfraqueceram, ainda mais, o folhetim. O que dizer de Enrico (Joaquim Lopes), o homofóbico que não aceitava a homossexualidade do pai e, do dia para a noite, passou a ser tolerante? Ou de Magnólia (Zezé Polessa) e Severo (Tato Gabus Mendes), um casal de vigaristas que explorava a própria filha e queria tirar vantagem de tudo, mas que, também de uma hora para outra, teve seu momento abrupto de redenção. O blogueiro vilão Téo Pereira (Paulo Betti), fofoqueiro e perseguidor de muitos personagens, também mudou da água para o vinho rapidamente e terminou como um "jornalista sério e investigativo", abraçando e confraternizando com seus inimigos. Isso só para citar alguns...
"Império" foi beneficiada, no entanto, pelo bom elenco, destacando os ótimos trabalhos de Lilia Cabral, Alexandre Nero, Leandra Leal, Rafael Cardoso, Zezé Polessa, Othon Bastos, Suzy Rêgo e Dani Barros, Faço aqui uma menção honrosa a Drica Moraes, impecável como a amargurada Cora, e Marjorie Estiano, que fez a personagem na primeira fase e, com a saída de Drica, por conta de problemas de saúde, recebeu a árdua missão de assumir o papel na fase adulta. Nesse caso, o autor acertou ao encarar a mudança de forma lúdica e cômica, sem transformar isso em uma crise ou simplesmente descartar a personagem. Marjorie trouxe à história uma nova Cora e, assim como Drica, roubou a cena.
Com semelhanças e referências a outros trabalhos de Aguinaldo Silva, "Império" chegou ao fim tendo deixado sua principais qualidades bem lá para trás e evidenciando seus erros, que transformaram-na em um folhetim que enrolou o espectador o quanto pôde e tentou fazer com que engolíssemos muitas tramas e personagens incoerentes. 

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