Rivalidade entre estrelas em "Feud" retrata contradições e lado impiedoso de Hollywood


"Conflitos não se tratam de ódio. Conflitos se tratam de dor". A frase, que aparece vez ou outra ao longo dos episódios de "Feud", a mais nova antologia de Ryan Murphy, resume bem a rivalidade histórica entre duas das grandes estrelas de Hollywood: Joan Crawford e Bette Davis. A primeira temporada da produção, já encerrada nos Estados Unidos e no Brasil, além de contar detalhes sobre a rixa das artistas, acabou indo além e mostrando pontos em comum entre elas, sem contar a exposição de um lado impiedoso de Hollywood com atrizes mais maduras, especialmente na época em que a indústria cinematográfica experimentava o auge do glamour.
Em momentos semelhantes de suas carreiras, Joan (Jessica Lange) e Bette (Susan Sarandon) buscam oportunidades profissionais para se manterem ativas em uma Hollywood que, cada vez mais, valoriza apenas os estereótipos de beleza e juventude. Elas se reúnem para as filmagens de um projeto que pode colocá-las novamente "no jogo": o suspense/terror "O Que Terá Acontecido a Baby Jane?". A produção, no entanto, se mostra tensa desde a assinatura dos contratos das atrizes, que não admitem serem ofuscadas por qualquer brilho rival.
Comandadas por Robert Aldrich (Alfred Molina), as filmagens elevam os níveis de tensão e rivalidade entre as atrizes, que, em determinado momento, até tentam superar os problemas em prol do sucesso do filme. O estúdio, no entanto, comandado por Jack Warner (Stanley Tucci), lucra mais com publicidade com a briga das atrizes e passa a incentivar a disputa, inclusive alimentando a imprensa de celebridades com comentários maldosos das estrelas.
O sucesso de "Baby Jane" poderia encerrar a rixa entre as atrizes, certo? Errado! O conflito chega ao ápice quando Bette Davis é indicada ao Oscar pelo papel, em 1963, mas Joan Crawford sequer é lembrada pela Academia. A partir daí, a atriz ignorada, além de fazer campanha contra a colega de elenco em Hollywood, também convence outras duas atrizes indicadas naquele ano a não irem à premiação. O resultado disso é que, quando anunciada a vitória de Anne Bancroft (Serinda Swan), quem sobe ao palco para receber a estatueta é Joan, para desespero da rival.
Mesmo com a trajetória bem sucedida de "Baby Jane", Joan e Bette acabam frustradas com os caminhos que não se abriram para elas. As duas permanecem ignoradas pela mesma Hollywood que as colocou no "Olimpo", fazendo com que cada uma reaja de uma maneira, inclusive, criando problemas que interferem em suas relações com amigos e familiares.
Quem conhece apenas um breve resumo da histórica rivalidade das atrizes pode pensar que o enredo se trata somente de superficialidade, ego e vaidade. Isso, é claro, está presente, mas os roteiros de "Feud" mostram aspectos mais profundos dessa rixa. A série acaba mostrando o lado cruel e impiedoso de Hollywood, que é capaz de alçar artistas ao estrelato, mas, ao menor sinal de maturidade, os descarta sem levar o talento em consideração. Isso ainda era mais evidente no auge da indústria, entre os anos 40 e 60, quando o glamour ainda era um dos "motores" fundamentais do cinema.
"Feud" também mostrou que o conflito entre as atrizes nada tinha a ver com ódio, e sim com o momento semelhante pelo qual as atrizes passavam. Com ambas tentando uma "retomada" na carreira, Joan e Bette rivalizavam quase que por "sobrevivência", para que pudessem se manter dominantes naquele meio e com medo que uma superasse a outra, sentimentos esses alimentados pela implacável Hollywood. No fim, havia até admiração entre as duas estrelas, que poderiam ter sido amigas, mas se deixaram influenciar por uma "dor" que só fez bem para a indústria.
As qualidades no roteiro e na produção de "Feud" só reforçam o amadurecimento de Ryan Murphy, que, ao longo dos anos, foi mostrando capacidade para criar séries interessantes e com profundidade, muito diferentes de suas primeiras produções. Ponto para ele, que já tinha acertado bonito com "American Crime Story". Também é preciso frisar o trabalho impecável do elenco, especialmente de Susan Sarandon e Jessica Lange, impecáveis e dignas de qualquer prêmio que possa vir neste ano. Coadjuvantes como Alfred Molina, Stanley Tucci, Judy Davis e Catherine Zeta-Jones reforçam, ainda mais, as qualidades da produção.
Com uma história de conflito diferente a cada temporada, "Feud" já se firmou, em seu primeiro ano, como uma das ótimas produções no ar atualmente. A rixa entre duas grandes estrelas de Hollywood abre um caminho fértil para a próxima temporada, que vai falar sobre a realeza britânica e os problemas conjugais entre o Príncipe Charles e a Princesa Diana. Se seguir os passos de Joan e Bette, será um ano imperdível.

FEUD: BETTE AND JOAN (primeira temporada)

ONDE: FX (Estados Unidos) e Fox Premiun (Brasil)

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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