"Coisa Mais Linda" enaltece feminismo em cenário inspirador e no ritmo da bossa nova

A bossa nova, gênero musical que surgiu no fim da década de 50, fez poesia com as ondas do mar do Rio de Janeiro, com a brisa do vento que toca o rosto, com a saudade de um amor perdido, com a expectativa de um amor que estava por vir e, claro, com as mulheres brasileiras. Exatamente por isso, a ambientação de "Coisa Mais Linda", série lançada na plataforma de streaming Netflix, não poderia ser outra. A capital fluminense serve de cenário para uma história de protagonistas femininas que, certamente, mereceriam ser cantadas por João Gilberto, Tom Jobim ou Vinícius de Moraes.
Em plena efervescência do Rio de Janeiro com a bossa nova, a cidade recebe Maria Luíza (Maria Casadevall), uma paulista que se muda para lá por conta dos planos de abrir um restaurante com o marido. De família rica, a personagem sofre o primeiro baque quando descobre que o parceiro sumiu e ainda levou todo o dinheiro deles, deixando apenas um apartamento com o aluguel para vencer e o espaço onde o empreendimento seria aberto.
Depois de dúvidas e certo desespero inicial, Maria Luíza decide não voltar para a casa dos pais e continuar na cidade, fazendo algumas adaptações ao plano inicial. Ela tocaria sozinha não um restaurante, mas um clube musical que faria a diferença da vida boêmia carioca. Para isso, convida Adélia (Pathy Dejesus) para trabalhar com ela. Mãe solteira, a amiga vive no morro e tenta ser o suporte da família. Os momentos difíceis da vida ficam para trás durante as rodas de samba produzidas no local, geralmente comandadas por Capitão (Ícaro Silva).
Na empreitada para abrir o clube, Maria Luíza conta, também, com o estímulo da amiga Lígia (Fernanda Vasconcellos), que sonha em se tornar cantora, mas ignora essa vontade por conta do machismo e da truculência do marido Augusto (Gustavo Vaz); e da jornalista Thereza (Mel Lisboa), que trabalha em uma revista feminina e vive, aparentemente, um casamento sem segredos e restrições com Nelson (Alexandre Cioletti).
Usando um recorte inspirador e poético do Rio de Janeiro, "Coisa Mais Linda" aposta todas as fichas nas discussões sobre a importância do feminismo e isso gera uma oportuna conexão entre o período e os dias atuais. O espaço da mulher em uma sociedade patriarcal é tema de reflexão a partir dos dramas das personagens. Maria Luíza, por exemplo, escolhe o caminho da independência em uma época em que a maioria das mulheres ainda saía da casa dos pais direto para o lar que manteria com o marido. Nesse propósito, ela encontra as dificuldades impostas por um mundo machista, que não leva a sério as ideias das mulheres e não permite que elas fechem qualquer negócio sem o aval de um homem.
Cada uma das personagens retratadas na série convive com alguma questão relacionada ao feminismo. Thereza recebe ordens de um homem machista e discute os comportamentos que uma mulher deve ter para ser respeitada em um ambiente de trabalho masculino. Já Lígia sufoca o sonho de seguir uma carreira de cantora por conta das ordens e da carreira política do marido, uma vez que, para o olhar dele e da sociedade, levar uma vida artística acabaria com a reputação dela. A personagem, inclusive, está envolvida no desfecho da temporada, que também abre uma discussão importante sobre a violência contra a mulher.
Outro acerto do roteiro de "Coisa Mais Linda" é a retratação dos contrastes do Rio de Janeiro. Enquanto a bossa nova ganhava espaço na zona sul da cidade, moradia dos mais ricos, o samba, apesar de ser um gênero difundido e inspirador de outros, ainda era considerado "música de morro", com pouco espaço entre a elite, que tinha dificuldade de admitir gostar do ritmo. A série, especialmente através de Adélia, discute, ainda, o racismo no Brasil, lugar onde "ninguém é racista", mas que ainda pensa que um negro só pode ser empregado de um branco, quando eles são vistos juntos.
Apesar dos bons temas e histórias, "Coisa Mais Linda" escorrega no ritmo da narrativa. Ao longo da maior parte da temporada, todos os acontecimentos fluem quase que no compasso da bossa nova, contemplativo e intenso, quando necessário. No último episódio, o roteiro acelera os desfechos das tramas e, consequentemente, faz com que elas percam força. As jornadas das personagens são afetadas por soluções fáceis, que acabam esvaziando discussões interessantes e abreviando conflitos que poderiam render mais.
Em sete episódios, "Coisa Mais Linda" enche os olhos e os ouvidos dos espectadores com um cenário inspirador e uma trilha sonora contagiante, que fixa a bossa nova brasileira na cabeça de quem assiste. Sempre enaltecendo o feminismo e mesmo com as falhas do roteiro, que acabam por aproveitar mal personagens e conflitos, a série é promissora e deixa uma boa expectativa para a segunda temporada.

COISA MAIS LINDA

ONDE: Netflix (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★ (boa)

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