"The Crown" aprofunda contradições entre deveres da realeza e intimidade dos personagens

Divulgação/Netflix
Nas duas primeiras temporadas, "The Crown" mostrou a ascensão ao trono da rainha Elizabeth II, monarca do Reino Unido, que assumiu a coroa depois da abdicação do tio, Edward VIII, e da morte do pai, George VI. As circunstâncias obrigaram a protagonista a aprender cedo que a realeza impõe deveres que nem sempre estão de acordo com opiniões pessoais e que podem, inclusive, desgastar as relações mais íntimas daquele que senta no trono. Após um salto temporal, o terceiro ano da série foca em uma rainha mais madura e aprofunda esses conflitos, que se estabelecem em meio a crises políticas e econômicas de uma nação.
Agora interpretada pela extraordinária Olivia Colman, a rainha Elizabeth II enfrenta, no campo político, muitas mudanças que atingem o país. A monarca começa a temporada aprendendo a lidar com o primeiro-ministro Harold Wilson (Jason Watkins), eleito pelo Partido Trabalhista após uma onda de contestação pública sobre a liderança conservadora. Mesmo parecendo, a princípio, ter ideais bem diferentes da rainha, Wilson se mostra um político moderado e aberto ao contraditório, diferente daquele que viria a sucedê-lo, Edward Heath (Michael Maloney), que tinha pensamentos mais à direita e que, por intransigência, alimentou uma crise política no país.
"The Crown" também mostra, nos novos episódios, que o Reino Unido sofreu uma ameaça de golpe. Durante a atuação de Wilson como primeiro-ministro, Lord Mountbatten (Greg Wise), membro da família real, é compulsoriamente aposentado das funções militares que exercia e, por isso, passa a ser sondado por um grupo de conservadores para destituir o Partido Trabalhista do poder e assumir o governo. Cabe à rainha defender a escolha democrática feita pelo povo e frustar as intenções de Mountbatten.
A intimidade da realeza britânica também é agitada na terceira temporada. Mais segura de si, a rainha aparece mais conformada com os deveres impostos pela Coroa, ainda que a rotina da monarca deixe espaço para a imaginação sobre como teria sido a vida dela sem essas obrigações. No casamento com Phillip (Tobias Menzies), a inveja e as brigas pelas funções do casal dão lugar a um relacionamento mais sólido, ainda que o Duque de Edimburgo passe por uma crise relacionada às conquistas pessoais que teve ao lado da rainha.
A rainha Elizabeth II, considerada a chefe da família real, ainda se vê diante dos problemas causados pela figura da irmã, a princesa Margaret (Helena Bonham Carter), que parece apreciar compromissos da Coroa mais do que a monarca, mesmo que não esteja no comando. Tentada a dar mais espaço para a irmã nas funções reais, a rainha declina da ideia por conta do comportamento instável e nada protocolar de Margaret.
Os conflitos pessoais da rainha na temporada também envolvem o príncipe Charles (Josh O´Connor), que assume oficialmente os holofotes como herdeiro do trono. Já incomodado com a ideia de sufocar a própria personalidade em nome do dever real, o príncipe de Gales cria "problemas" para a família ao se interessar pela jovem Camila Shand (Emerald Fennell), que, apesar de gostar de Charles, também vive uma relação complicada com Andrew Parker Bowles (Andrew Buchan). Por não considerar a garota como uma futura esposa ideal para o príncipe, o núcleo familiar age para preservar as tradições da Coroa.
Divulgação/Netflix
A grande qualidade do roteiro de "The Crown", além da apurada ambientação histórica, sempre foi explorar as contradições geradas pelas obrigações da realeza, muitas vezes conflitantes com as opiniões pessoais da monarca ou de algum membro da família. Nesse terceiro ano, isso ganha ainda mais profundidade e cria embates muito interessantes, nem sempre envolvendo mais de uma pessoa. Em diversas oportunidades, o espectador vê conflitos estabelecidos a partir de desejos íntimos dos personagens, que se opõem às necessidades do dever.
Muito do êxito da nova temporada se deve a Olivia Colman, excelente no papel de rainha. A atriz soube criar uma personagem que se coloca como a base de sustentação da família e de um país e, ao mesmo tempo, usa sinais e expressões sutis para lembrar o espectador que há um ser humano por trás da figura de monarca. Olivia é uma presença forte em todos os episódios, mas destaco o momento em que a rainha entra em conflito interno durante uma tragédia que abala o Reino Unido. Tomando a decisão de se omitir diante do problema, ela passa a questionar os próprios sentimentos e deveres.
É uma obrigação destacar outros ótimos atores do elenco, como Tobias Menzies, Helena Bonham Carter e Josh O´Connor. Jason Watkins é uma grata surpresa na história e apresenta um primeiro-ministro carismático, ainda que contido. A figura de Harold Wilson cria uma parceria interessante com a protagonista. Jane Lapotaire interpreta a princesa Alice, mãe do Duque de Edimburgo, e entrega uma das melhores personagens da temporada.
Aprofundando os conflitos entre os deveres da Coroa e a intimidade dos integrantes da família real, "The Crown" se estabelece definitivamente como o mais apurado entretenimento oferecido pela plataforma de streaming Netflix. Com ambientação histórica impecável, a série cresce com o roteiro e a presença marcante de Olivia Colman, que vai seguir no papel de protagonista na próxima temporada. Deus salve a rainha!

THE CROWN (terceira temporada)

ONDE: Netflix (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mesmo com protagonista descaracterizada, "Gabriela" foi bom entretenimento

Final de "Revenge" decepciona e desvaloriza confronto entre protagonistas

The Blacklist apresenta novo gancho para trama central e introduz spin-off arriscado