"Normal People" fala da complexidade do amor ultrapassando barreiras geracionais

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Em determinado momento da música "Eu Não Existo Sem Você", os compositores Tom Jobim e Vinícius de Moraes dizem que "todo grande amor só é bem grande se for triste". Fugindo de uma interpretação ao pé da letra, podemos perceber que esse trecho considera o amor um sentimento bem mais complexo e imperfeito do que o romantismo faz parecer. Se essa complexidade já é algo difícil de lidar na vida adulta, tudo é multiplicado por dez na adolescência.

"Normal People", minissérie irlandesa disponível no Starzplay, fala exatamente da rotina de um amor complicado e feito de assimetrias. Marianne (Daisy Edgar-Jones) é uma adolescente rica, impopular no colégio e desprezada pela família. Já Connell (Paul Mescal) é o oposto: não tem grana, vive rodeado de amigos e conta com o carinho incondicional da mãe, que trabalha como empregada na casa de Marianne e funciona como a ligação entre esses universos tão diferentes.

Em 12 episódios, vemos fases do relacionamento do casal. Na primeira, ainda no colégio, Marianne e Connell namoram sem que os amigos dele saibam. Mesmo incomodada, a jovem aceita o arranjo apostando na ligação especial que eles parecem ter. Nem preciso dizer que essa escolha afeta ambos. Enquanto ele supervaloriza o julgamento dos colegas, ela sofre e alimenta a baixa autoestima que já carregava por conta da mãe e do irmão, que não perdem a chance de diminuí-la.

Depois de um afastamento, Connel reencontra Marianne na faculdade. Nessa fase, as posições dos protagonistas se invertem: ele fica mais fechado e se sente desconfortável naquele ambiente acadêmico, enquanto ela aparece mais aberta e rodeada de amigos. Um detalhe, no entanto, parece não ter mudado: mesmo com o passar do tempo, os dois continuam sentindo que ficam à vontade apenas um na presença do outro, como se o resto do mundo provocasse neles um estado de constante desconforto. O único problema é que permanece não sendo fácil para o casal manter a relação.

No início, quem observa "Normal People" pode pensar que a minissérie é sustentada por mais um clichê romântico sobre dois jovens de mundos diferentes que enfrentam dificuldades para ficar juntos. Não é nada disso. Partindo dessas diferenças, o roteiro desconstrói os rótulos dos personagens para chegar ao ponto mais humano da questão, que supera todas as características que separam os seres humanos e chega aos sentimentos que os torna semelhantes.

Sally Rooney, autora do livro homônimo que deu origem à produção, é sempre apontada como uma escritora que retrata bem a geração dos Millennials, mas é muito curioso observar que "Normal People" vai muito além de discussões geracionais e, no fim, acaba retratando conflitos e imperfeições de uma relação amorosa em qualquer tempo.

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Distante de conceitos como amor inabalável e relacionamentos simples, a minissérie deixa claro que esse sentimento tem mais nuances e contradições do que as definições teóricas sugerem. Connell, por exemplo, apesar do amor que sente, é movido por insegurança e ansiedade. Sabota a relação por vezes e nem sempre se dá conta disso. Já Marianne, mesmo com o desejo de se entregar totalmente, não se sente digna daquela paixão, o que a faz procurar relacionamentos degradantes e abusivos.

Não existe idade para as complicações do amor, mas, sem dúvida, tudo fica mais confuso na adolescência e início da vida adulta. Muitos dos problemas de Connell e Marianne aparecem pela imaturidade deles; por falta de comunicação; pela ausência de confiança no outro e, especialmente, neles mesmos; por não saberem como lidar com sensações tão complexas.

Convidado a mergulhar nesse relacionamento, o espectador observa a intimidade do casal e rapidamente se identifica com tudo o que é mostrado. Toda a complexidade do amor dos personagens acaba criando uma sensação contraditória no público, que oscila entre torcer para que Connell e Marianne fiquem juntos de vez ou nunca mais se encontrem. A série emociona, arranca risos, causa indignação e arrasa o coração de quem assiste, sempre na mesma intensidade.

Toda a proposta de "Normal People" encontra em Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones os intérpretes ideais. Carismáticos, ambos conseguem imprimir na tela o turbilhão de sensações, as inseguranças e as marcas que aquele relacionamento vai deixando nos personagens ao longo dos episódios. A dupla é fundamental para que possamos enxergar com clareza a trajetória dos personagens, a evolução até o desfecho.

"Normal People" é uma minissérie sobre um amor imaturo, atabalhoado, complicado. Há beleza na cumplicidade e nas descobertas sentimentais de Connell e Marianne, mas também há descompasso, mágoas, traumas e insegurança. Nem sempre o amor é fácil como sugere o romantismo e, levando isso em consideração, a produção se aproxima dos conflitos amorosos reais, ganhando a atenção do público logo nas primeiras cenas. Não importa a geração, todos nós somos capazes de encontrar identificação na complexidade de um amor.

NORMAL PEOPLE (minissérie)

ONDE: Starzplay (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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