Protagonistas amorais fazem de "House of Cards" uma série viciante

Informação é poder. Essa é a máxima que permeia a trama de "House of Cards", série original do serviço de streaming Netflix, que está em sua segunda temporada. Nos primeiros 13 episódios, exibidos no ano passado, somos apresentados a Frank Underwood (Kevin Spacey), um congressista democrata que sonha em fazer parte do governo do presidente Garrett Walker (Michel Gill) e ocupar um lugar de destaque na Casa Branca. 
Traído pelo presidente, que havia lhe prometido um cargo de ministro, Frank é obrigado a continuar sendo o líder da maioria no Congresso para, assim, facilitar a vida de Walker no Capitólio. O congressista começa, então, uma corrida sorrateira para derrubar o presidente americano e tomar o poder da nação. Para isso, se associa com a repórter iniciante Zoe Barnes (Kate Mara), cedendo informações dos bastidores do governo e manipulando a jovem a seu bel prazer. 
A relação de Underwood e da jornalista evolui para um envolvimento sexual, consentido pela esposa do congressista, Claire (Robin Wright). Frio, dissimulado, vingativo e amoral, o casal manipula todos à volta como se fosse um jogo de xadrez, onde cada peça está ao alcance das mãos. Ao final do primeiro ano, depois de muitas manobras sujas, Frank chega à vice-presidência dos Estados Unidos, aproximando-se, cada vez mais, de seu objetivo maior.
Nos 13 episódios da segunda temporada, Underwood aproveita uma crise econômica e diplomática com a China para destruir a imagem do presidente Walker. Para isso, ele não se furta de eliminar, sem qualquer remorso, todos aqueles que ameaçam seus planos. A primeira grande vítima do vice-presidente, neste segundo ano, é a jornalista e ex-aliada Zoe. Investigando o envolvimento de Frank na morte do deputado Peter Russo (Corey Stoll), uma das peças no jogo dos Underwood, a jovem acaba deixando de ter serventia para os planos do protagonista. Sem qualquer culpa ou hesitação, ele joga a jornalista nos trilhos do metrô e acaba com a vida dela.
Agora mulher do vice-presidente, Claire ganha destaque na nova temporada. Tão fria e calculista quanto o marido, a sra. Underwood vai parar sob os holofotes por conta de um aborto que fez na juventude. Para transformar a história em algo proveitoso, ela liga o fato a um oficial das forças armadas americana, que a havia estuprado anos antes. Assim, Claire vira uma referência para as mulheres que sofreram esse tipo de violência e, com a ajuda da primeira-dama, faz campanha para a aprovação de um projeto de lei, no Congresso, sobre o tema.
Em todos os episódios da segunda temporada, podemos observar uma disputa muito interessante entre o dinheiro e o poder. O primeiro está representado pelo empresário Raymond Tusk (Gerald McRaney), um influente amigo do presidente que participa ativamente das decisões da Casa Branca. Já o segundo é Underwood, um homem sedento por influência e, consecutivamente, poder. Na queda de braço entre os dois, onde o vencedor conquista a confiança do vice-presidente e o domínio sobre o Salão Oval, muitos são os mortos e feridos, mas as baixas não parecem importar os oponentes.
"House of Cards" é daquelas séries que podemos chamar de raras e diferenciadas. Primeiro, por conta de sua exibição, que é feita somente na internet e com todos os episódios disponibilizados ao mesmo tempo. Isso dá mais autonomia ao espectador, que pode escolher onde e quando acompanhar a trama. 
O segundo aspecto que vale ser destacado é o trabalho dos roteiristas e produtores, que é da mais alta qualidade. Cheia de nuances, a história não se furta de apostar em um enredo bem amarrado e elaborado, que, muitas vezes, conecta acontecimentos passados às escolhas futuras dos personagens. Neste sentido, é importante destacar que todos os personagens, sem exceção, contribuem para o andamento de "House of Cards". Como exemplo, podemos citar a relação de Underwood com Freddy (Reg E. Cathey), o dono do restaurante favorito do vice-presidente que é prejudicado pela guerra contra Tusk. A influência de Frank sobre Jackie Sharp (Molly Parker), a nova líder da maioria no Capitólio, também é responsável por bons momentos da trama.
Entre ótimos atores, muitos deles pouco conhecidos do grande público, Kevin Spacey e Robin Wright reinam absolutos. Ele consegue transmitir ao público toda a falta de escrúpulos e moral de Frank, bem como as (poucas, mas profundas) fragilidades do personagem. Impecável em sua interpretação, Spacey "deita e rola" mesmo nos momentos em que o vice-presidente fala diretamente à câmera, com o público, em tom irônico e falas marcantes, como: "Estou a um passo da presidência, sem um único voto depositado em meu nome. A democracia é tão superestimada".
Seca em sua interpretação, Robin Wright também impressiona por seu trabalho. Parceira incondicional nas armações do marido, Claire é igualmente capaz de cometer as atrocidades de Frank. A atriz, aliás, consegue transmitir, em cena, duas emoções: ao mesmo tempo em que Claire é doce e compreensiva, seu olhar consegue transmitir seu instinto selvagem e asqueroso. Quando está junto, o casal Underwood demonstra uma parceria muito sólida e pouco afetiva, rodeada de interesses e conveniência.
Com personagens extremamente amorais, o público tem a certeza, no decorrer dos episódios, que a história de "House of Cards" pode caminhar para qualquer direção, afinal, Frank e Claire são capazes tudo para conseguir poder. Quem ganha com isso é o espectador, que entra em contato com uma série viciante, daquelas cujos desfechos ficam na cabeça por dias. E a pergunta que fica, para os curiosos, é: será que Frank consegue sentar na cadeira mais importante da Casa Branca? Eu sei a resposta, mas não conto... Para descobrir, "consuma" "House of Cards" sem moderação.

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