Excesso de recato se contrapõe à sensualidade da trama de "Ligações Perigosas"

Divulgação/TV Globo
Além de ter uma história de qualidade, para que funcione e se comunique com o público, a forma como ela é apresentada é muito importante. Por isso, soa estranho que um enredo quando uma trama possui características marcantes, que são sublimadas pelo estilo imposto pela narrativa. Esse é, claramente, o caso da minissérie "Ligações Perigosas", que terminou nesta sexta-feira (15), na TV Globo. 
Escrita por Manuela Dias, baseada na obra de Choderlos de Laclos, a história da minissérie se passava no Brasil dos anos 20 e era focada nos arriscados jogos de sedução entre Isabel (Patrícia Pillar) e Augusto (Selton Mello), confidentes e amantes desde a morte do marido dela. Acostumada a ter todos os seus caprichos atendidos, Isabel descobre que um de seus amantes, Heitor (Leopoldo Pacheco) desistiu do relacionamento para propor casamento a Cecília (Alice Wegmann), sua sobrinha. Ferida com a justificativa do ex-pretendente, que queria uma mulher mais jovem para formar uma família, Isabel decide colocar em prática uma vingança para minar o casamento.
Com a ajuda de Augusto, Isabel passa a ser a confidente da sobrinha e alimenta o interesse amoroso da jovem por Felipe (Jesuíta Barbosa), um romântico professor de música. Através de uma troca de cartas reveladoras, Isabel e Augusto tramam a aproximação dos dois jovens, estimulando, inclusive, a troca de escritos entre eles. A ideia de Isabel é que, antes do casamento, Cecília perca a virgindade e seja entregue "impura" ao futuro marido.
Vendo que Felipe é um rapaz respeitoso e apaixonado, que não arriscaria a honra de Cecília, Isabel decide pedir para que Augusto leve a sobrinha para a cama, tarefa executada por ele sem grandes esforços. Além das investidas com Cecília, o "jogo" entre Isabel e Augusto ganha novos contornos quando este último se encanta pela beata Mariana (Marjorie Estiano), uma jovem casada e considerada uma santa por todos. 
Augusto, então, aposta com Isabel que consegue seduzir Mariana, mas não contava que acabaria se deixando seduzir pela beata, o que desagrada sua parceira de "jogos". A partir daí, a influência de Isabel, com provocações sobre as fraquezas de Augusto, passam a prejudicar o relacionamento dele com Mariana, que, depois de uma tentativa frustrada de fuga, tenta se matar.
Trancada em um convento e praticamente enlouquecendo pela paixão por Augusto, Mariana acaba morrendo. Em guerra com Isabel, Augusto também acaba morrendo depois que a ex-parceira revela a Felipe o envolvimento do comparsa com Cecília. Augusto, então, é desafiado para um duelo e, abalado pela história conturbada com Mariana, é morto por Felipe.
Divulgação/TV Globo
Atendendo a um último pedido de Augusto, Felipe lê as cartas em que Isabel revela o plano para desonrar Cecília. Ele também entrega à polícia um relato dela sobre a morte do marido, quando ainda era uma jovem, que pode colocá-la na cadeia. Perseguida pelas autoridades, Isabel termina foragida, vítima de varíola, desfigurada e com seus bens bloqueados. Já Cecília tem seu casamento com Heitor apressado para esconder que estava grávida do falecido Augusto. Felipe, por sua vez, precisa fugir da cidade por ter matado Augusto. 
Exibida em 10 capítulos, "Ligações Perigosas" apresentou uma história bem amarrada e complexa, costurada pelas tramóias e cartas de Isabel e Augusto. O roteiro, nesse aspecto, mostrou cuidado com a trama e não deixou nenhuma "ponta solta" em sua conclusão. As falas também foram bem construídas e pontuaram bem os conflitos dos personagens.
Há, no entanto, um problema que deve ser levado em consideração na minissérie. Apesar da ótima história, houve um erro na forma como ela foi apresentada ao público. Levada ao ar em um horário que permitia ousadias, "Ligações Perigosas" pecou pelo excesso de recato com que personagens e situações eram mostradas. A tensão sexual, característica do texto, acabou sendo sublimada por um pudor sem sentido em cenas de sensualidade e sexo, que fizeram, por exemplo, que orgias fossem feitas por pessoas totalmente vestidas.
Entendo que o sexo não é fundamental para uma história, mas, neste caso, ele permeava todas as relações entre os personagens. O caminho escolhido pela produção pareceu ser o da insinuação, mas houve um erro de dosagem aí, que acabou pendendo a história para um lado ingênuo e recatado que não cabia naquele contexto. Esse detalhe acabou, por muitas vezes, se contrapondo ao texto, enfraquecido pelo fato de as cenas não transmitirem aquilo que era dito. 
Tecnicamente, "Ligações Perigosas" foi impecável, com uma fotografia e ambientação de época primorosas, dignas de produções cinematográficas. A minissérie também brilhou com as atuações de Patrícia Pillar, Selton Mello, Aracy Balabanian, Marjorie Estiano, Jesuíta Barbosa e Alice Wegmann.
"Ligações Perigosas" reforçou que a televisão brasileira pode, se quiser, ser um veículo de produções caprichadas. A minissérie só não conseguiu ser excelente pelo excessivo recato com que a história foi conduzida, que acabou prejudicando o andamento das cenas e mostrando ao público algo que, evidentemente, contradizia a proposta do texto. 

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