"Watchmen" apresenta narrativa detalhista e intrigante do início ao fim

Divulgação/HBO

Discussões sobre o conceito de vigilantes mascarados sem idealizações sempre estiveram no centro de "Watchmen", a elogiada HQ de Alan Moore, que já ganhou uma adaptação para o cinema. Agora na televisão, sob o comando de Damon Lindelof, a história ganhou uma expansão de universo, que mostra respeito pelo material original, mas também não se furta a apresentar novas e oportunas reflexões sobre a realidade em que vivemos.
A série da HBO se passa em Tulsa, no estado norte-americano de Oklahoma, cidade onde a polícia atua mascarada e escondendo a própria identidade até da família como proteção, depois que houve um ataque orquestrado pela Sétima Kavalaria, grupo de supremacistas brancos que utiliza máscaras de Roschach e surpreende policiais em plena véspera de Natal.
É nesse contexto em que o espectador é apresentado a Angela (Regina King), uma policial aposentada que usa capuz e máscara para continuar combatendo o crime na cidade. Com o codinome "Sister Night", a protagonista tem a rotina modificada depois do assassinato de Judd Crawford (Don Johnson), chefe da polícia local. Como se não bastasse, Angela ainda descobre que o responsável pelo crime é Will Reeves (Louis Gossett Jr.), avô dela, e passa a figurar no centro das investigações de Laurie Blake (Jean Smart), agente do FBI designada para o caso.
Reeves tem uma das trajetórias mais interessantes da série, que começa justamente com o personagem, ainda garoto, tendo que fugir de um massacre causado pela Ku Klux Klan. O menino consegue se salvar de toda aquela violência e, anos depois, se torna policial. Enfrentando racismo na própria corporação e se colocando contra algumas práticas de colegas, Reeves veste uma máscara e se transforma no Justiça Encapuzada, um vigilante combatente do crime.
Além de estar envolvido na morte de Crawford, que secretamente estava ligado aos planos racistas da Sétima Kavalaria, Reeves também é um elo importante com outro personagem, que só aparece perto do fim: Dr. Manhattan (Yahya Abdul-Mateen II). A figura azul, que todos acreditavam estar isolada em Marte desde o desfecho da história original. na verdade, estava escondida na Terra e correndo perigo. O quase deus, que adquiriu a capacidade de vivenciar acontecimentos do passado, presente e futuro ao mesmo tempo, sabia que estava no centro dos planos da Sétima Kavalaria, mas, também, de Lady Trieu (Hong Chau), uma cientista que se dizia interessada em salvar o mundo.
Em determinado momento, com a revelação da identidade secreta do Dr. Manhattan e do relacionamento amoroso dele com Angela, "Watchmen" foca na aproximação dos dois personagens e explica como a história de amor entre eles está conectada aos acontecimentos envolvendo os planos de dominação da Sétima Kavalaria e de Lady Trieu.
Ao longo dos episódios, o público também é instigado pela história de Adrian Veidt (Jeremy Irons), também conhecido como Ozymandias, o homem mais inteligente do mundo. Inicialmente, o personagem é visto em um local que parece ser isolado no tempo, de onde ele não pode sair. Parecendo estar em uma jornada particular de loucura, aos poucos, a série revela que Veidt tentava escapar de uma Lua de Júpiter e consegue fugir graças a um contato com Lady Trieu.
Divulgação/HBO
Se, lendo esse resumo, você pensou que "Watchmen" tem acontecimentos demais e tramas muito interligadas, saiba que há muitos outros detalhes e spoilers na história planejada por Lindelof. Essa, aliás, é justamente a graça da série: prestar atenção em cada momento, por menor que ele possa ser, para entender a trama de forma mais ampla. A forma como a narrativa é construída é muito inteligente, com as dúvidas apresentadas nos quatro primeiros episódios e as respostas vindo depois, nos cinco capítulos seguintes e, muitas vezes, fora de uma cronologia, o que obriga o espectador a montar o quebra-cabeça.
Não me sinto capaz de julgar cada detalhe da história original, mas dá para perceber que Lindelof não só compreende a HQ, como também respeita muito a referência. O produtor, no entanto, não se priva de mostrar que pode contribuir com essa história e insere novos personagens e discussões de forma coerente.
Através dos planos racistas da Sétima Kavalaria, "Watchmen" retrata questões muito atuais e pertinentes. As atitudes do grupo de supremacistas brancos, incomodados com o que consideram uma injusta conquista de espaço dos negros e um desequilíbrio da sociedade, estão por aí e, em alguns casos, ganhando o respaldo de discursos políticos. O plano do senador Joe Keene (James Wolk) representa bem esse tipo de pensamento e daí surge a ideia de capturar e transferir os poderes do Dr. Manhattan, afinal, como o próprio racista mesmo diz, "o mundo não está fácil para os brancos". Se os privilégios brancos não eram mais suficientes, ele queria ser azul e carregar os poderes de um semi-deus.
A série também guarda reflexões muito interessantes sobre os heróis mascarados e os limites da atuação deles, ao mesmo tempo em que faz uma comparação com as várias máscaras que as pessoas podem usar ao longo da vida, assim como os sentimentos que elas ajudam a esconder ou ignorar.
Ainda há uma questão levantada pelo plano ambicioso de Lady Trieu, que também deseja capturar o Dr. Manhattan e roubar os poderes dele, mas diz querer fazer isso para salvar o mundo. A ideia de se colocar como um herói e única esperança da humanidade, desconsiderando qualquer limite e buscando justificativas para suas ações, ainda que radicais, está muito presente.
Tenho a impressão que qualquer resumo ou análise feitos sobre "Watchmen" nunca vão fazer jus a tudo o que a série apresenta. A narrativa detalhista e muito intrigante conquista de cara e segue forte ao longo dos episódios, sempre mostrando um roteiro acima da média e discussões pertinentes que, com certeza, vão ganhar novos aspectos se optarmos por ver a história mais de uma vez. Depois de fechar o ciclo e resolver todas as questões da temporada, Lindelof já mostrou resistência a fazer novos episódios. Confesso que entendo essa hesitação, afinal, "Watchmen" parece perfeita assim.

WATCHMEN (primeira temporada)

ONDE: HBO GO

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

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