"Magnífica 70" explora contradições entre a Boca do Lixo e a censura

Foram tempos difíceis para a produção cultural no Brasil. Durante a ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1985, os militares tentavam reprimir qualquer tipo de informação ou manifestação artística que pudesse "ameaçar" o regime que tomava conta do país. Sexo, subversão, ideologia, opinião. Esses e outros muitos assuntos, abordados em jornais, rádios, na música ou no cinema eram estritamente proibidos. Para controlar a divulgação desses temas, o regime militar contava com o trabalho de censores federais, que avaliavam e decidiam o que deveria ser liberado à população. A influência da censura, especificamente na produção cinematográfica, é tema de "Magnífica 70", nova série da HBO que estreou neste domingo (24).
A trama se passa na Boca do Lixo, região localizada no centro de São Paulo onde ficavam concentradas as produtoras de cinema. Ali funciona a Magnífica Cinematográfica, uma companhia que aposta todas as suas fichas no filme "A Devassa da Estudante", protagonizado pela atriz Dora Dumar (Simone Spoladore). A história, produzida por Manolo (Adriano Garib), é a esperança de o dono da empresa (Stepan Nercessian) fazer dinheiro com a fita. 
O desejo de sucesso é abortado quando o filme vai parar no escritório da Censura Federal. Avaliada por Vicente (Marcos Winter), a fita causa perturbação ao censor, que arruma diversas justificativas para proibir a história definitivamente. A notícia cai como uma bomba para os profissionais, que dependiam do sucesso do filme para continuar a carreira. Arrependido pela atitude, Vicente decide ajudar Manolo a driblar a censura e filmar uma nova sequência, que poderia permitir a liberação de "A Devassa da Estudante". Assim, o "rígido" censor passa a colaborar diretamente com o universo que tanto ajudou a cercear.
Os problemas de Vicente, no entanto, não ficam restritos ao campo profissional. O censor parece viver um casamento infeliz com Isabel (Maria Luisa Mendonça) e ser assombrado por um segredo que envolve a irmã mais nova da esposa (Bella Camero), morta há cinco anos. A ausência da jovem, aliás, parece afetar, também, o resto da família. Os pais de Isabel, General Souto (Paulo César Peréio) e Dona Lúcia (Joana Fomm), ainda comemoram o aniversário da filha morta e alimentam as lembranças de forma mórbida.
Criada por Cláudio Torres, Renato Fagundes e Leandro Assis, "Magnífica 70" conquista o espectador, logo de cara, com uma história interessante e muito bem contada pela narrativa envolvente do primeiro episódio. O conflito entre os universos opostos de Vicente, que vai circular pela Boca do Lixo e pelo Departamento de Censura, promete render bons momentos. O contexto histórico e a reconstrução da época são outros pontos que merecem destaque na série. 
Além da bela produção, o elenco de bons atores faz toda a diferença. Nomes como Paulo César Peréio, Joana Fomm, Stepan Nercessian, Simone Spoladore e Marcos Winter mostram trabalhos seguros e interessantes neste início de temporada.
"Magnífica 70" ainda tem 12 episódios pela frente e muita história para contar. Mas, ao que parece, a série já se mostra uma produção diferenciada e criativa. A exploração das contradições entre os universos do cinema da época e a pressão da Censura Federal para controlar o conteúdo revelou-se um ótimo argumento para uma série de TV e um bom motivo para fugir da cansada e repetitiva programação da televisão nos domingos à noite. 



Magnífica 70 (primeira temporada)

Quando: a partir do dia 24 de maio, todos os domingos

Onde: HBO

Horário: 21 horas

Comentários

  1. Podemos ver uma homenagem ao cinema brasileiro na série Magnifica 70, o que nos coloca precisamente na década de 70 em São Paulo, em um momento difícil para o país com uma ditadura militar e filme censurado, onde ele não poderia falar sobre a sexualidade ou crítica governo. Na série, o protagonista, Vincent, trabalha dando relatórios têm de censurar filmes. Admiração e fascínio por um protagonista desses filmes leva a Boca de Lixio para trabalhar como director no lindo produtor de cinema cinematográfica, uma atmosfera de desejo e proibição.

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