"Todas as Mulheres do Mundo" homenageia Domingos Oliveira e a complexidade do amor

Divulgação/Grupo Globo

Algumas obras procuram traduzir o amor e, com frequência, fazem parecer que esse é um sentimento de definição simples: nobre, exagerado, dolorido, impossível, pleno. Só que, na realidade, nem sempre é tão fácil descrever essa forma de afeto. O cineasta e dramaturgo Domingos Oliveira, que morreu em 2019, tinha a habilidade de retratar a complexidade do amor, que pode se apresentar de diversas maneiras e até misturando mais de uma delas.
"Todas as Mulheres do Mundo", série lançada na plataforma de streaming Globoplay, apresenta uma história sustentada pela complexidade e a beleza do amor, temas recorrentes na carreira de Oliveira, que tem o trabalho celebrado pela produção.
A série, que tem 12 episódios, foca na paixão do arquiteto Paulo (Emílio Dantas) e da bailarina Maria Alice (Sophie Charlotte), que se conhecem em uma festa de Natal. Com uma alma de poeta, o protagonista sente amor à primeira vista quando olha para ela. O personagem logo deixa claro que está apaixonado, só que Maria Alice resiste um pouco às investidas do admirador.
As conversas e a convivência vão aproximando o casal, que, enfim, engata um relacionamento. Apesar da paixão avassaladora que sentem um pelo outro, Paulo e Maria Alice registram alguns atritos causados, especialmente, pelas personalidades muito livres que eles têm. O casal se separa depois de uma traição do arquiteto e, como consequência, a bailarina vai embora para a Alemanha.
Após a viagem de Maria Alice, Paulo se envolve com várias mulheres, mas segue suspirando pela bailarina, com quem mantém contato. Na verdade, em todos os relacionamentos, mesmo se entregando de coração, o arquiteto parece procurar nas parceiras as características da musa inspiradora de poesias e desenhos dele. Perto do fim da temporada, Maria Alice volta do exterior e os dois tentam novamente ficar juntos.
A partir da ideia original de Domingos Oliveira e da atriz Maria Ribeiro, "Todas as Mulheres do Mundo" foi escrita por Jorge Furtado e Janaína Fischer, que fizeram dos episódios uma bela homenagem à obra do cineasta. Tendo como base o filme homônimo do diretor, lançado em 1966, a dupla apresenta um texto inspirado, poético e marcado por um humor refinado.
Como não poderia deixar de ser, o amor é a força que move a história, só que, por se inspirar no trabalho de Oliveira, o sentimento ganha uma abordagem mais profunda. Quem, por exemplo, julga a trama por informações pontuais pode classificar Paulo como "canalha" ou "mulherengo", mas os sentimentos do personagem são tão mais complexos que, ao longo dos episódios, conceitos como esses vão caindo por terra. O protagonista realmente se apaixona pelas mulheres com as quais se relaciona, ainda que continue suspirando por Maria Alice e se envolva em infidelidades, situações de quebra de confiança, inseguranças e ciúmes. O amor de Paulo não é perfeito, mas o de quem é?
Divulgação/Grupo Globo
As personalidades independentes das mulheres que passam pela vida de Paulo também se destacam na série. Maria Alice mostra descontentamento com os rumos da relação com o arquiteto e não hesita em ir embora para perseguir um sonho. Adriana (Samya Pacotto) e Laura (Martha Nowill) impõem as regras para que os relacionamentos prossigam e Dionara (Lília Cabral), a mãe do arquiteto, conduz com maturidade os acontecimentos quando o filho não reage bem ao novo casamento dela.
Com tantas mulheres em evidência na história, a trilha sonora também fica por conta delas. Apenas cantoras embalam os episódios e o repertório parece ter sido escolhido para ajudar a compor as personalidades das parceiras de Paulo. As músicas cantadas por Marisa Monte, Elza Soares, Alcione, Maria Bethânia, Rita Lee, Elis Regina e outras são parte fundamental da identidade das personagens na tela.
"Todas as Mulheres do Mundo" retrata, ainda, outro tipo de amor, aquele que se manifesta através das amizades. O trio Paulo, Laura e Cabral (Matheus Nachtergaele) divide frustrações, alegrias e tristezas, mesmo em momentos marcados por algum desentendimento entre eles. Nessa construção, há uma forte mensagem de identidade, reconhecimento e aceitação das pessoas como elas são, inclusive diante de atitudes discordantes.
O elenco da série é especial. Emílio Dantas e Sophie Charlotte revelam uma química que faz toda a diferença para construir esse amor complexo dos protagonistas. A dupla está rodeada de ótimos coadjuvantes, como Martha Nowill e Nachtergaele, além das participações de Lília Cabral, Fernanda Torres, Felipe Camargo, Naruna Costa, Maria Mariana e Priscila Rozembaum, essas últimas, respectivamente, filha e viúva de Domingos Oliveira.
Amor não é receita de bolo, nem uma equação matemática de resultado exato. Muito menos um rio de águas plácidas. Na verdade, está mais para um mar em dia de ressaca. Não é perfeito e, muitas vezes, é difícil de descrever. Domingos Oliveira sabia disso e fez da complexidade do amor o principal material para a construção de suas obras. A essência desse trabalho é homenageada em "Todas as Mulheres do Mundo", uma série poética e capaz de encher o coração de quem vê de bons sentimentos, ainda que muitos deles surjam contrariando expectativas ou conceitos simplistas.

TODAS AS MULHERES DO MUNDO (primeira temporada)

ONDE: Globoplay (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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