Direção primorosa e texto sofrível fazem "Verdades Secretas" ir do céu ao inferno

Divulgação/TV Globo
A partir da exibição dos créditos finais do último capítulo de "Verdades Secretas", a novela das onze da TV Globo que terminou nesta sexta-feira (25), imediatamente já comecei a pensar de que forma eu começaria esse texto. A noite passou, o sono veio e, ao acordar pela manhã, eu só conseguia pensar em como iniciar esse balanço sobre o folhetim de Walcyr Carrasco. A dificuldade, desta vez, se dá por um motivo: foi um trabalho de extremos, com qualidades muito valiosas, mas, também, com defeitos gritantes e muito incômodos.
Em um último capítulo nada moralista, o que conta pontos a favor do folhetim, o autor encerrou a história do trio Angel (Camila Queiroz), Alex (Rodrigo Lombardi) e Carolina (Drica Moraes), começando com o suicídio desta última após descobrir o caso da filha com o marido. Após um período morando com o pai (Tarcísio Filho), Angel vai embora para Angra dos Reis com Alex, para começarem uma vida juntos. Mas, aparentemente culpada pelo suicídio da mãe, em um passeio de lancha, ela saca uma arma e mata o amante/padrasto, jogando, em seguida, o corpo no mar e mentindo para a polícia sobre o fato. A modelo termina casada com Gui (Gabriel Leone).
Evitando castigar os "vilões" no fim, Carrasco optou por bons desfechos para Fanny (Marieta Severo), Anthony (Reinaldo Gianecchini) e Giovanna (Ágatha Moreira). Largada e sofrendo por ser abandonada, a dona da agência de modelos mostra que, na verdade, só se importava em ter um homem mais jovem ao seu lado e rapidamente substituí Anthony, que foge para a França com o estilista Maurice (Fernando Eiras), levando Giovanna junto com eles.
O final de "Verdades Secretas" ainda mostrou o novo caminho de Larissa (Grazi Massafera), que, depois de se entregar ao vício do crack, encontra ajuda em uma igreja evangélica e passa a trabalhar junto com missionários para atender outras pessoas que passam pelo mesmo problema. Bruno (João Vitor Silva), internado em uma clínica de reabilitação, também admite seus erros e aceita se livrar das drogas.
Divulgação/TV Globo
A maior qualidade de "Verdades Secretas" foi a linguagem proposta pela inspirada direção de Mauro Mendonça Filho e de sua equipe. O diretor emprestou à produção um olhar cinematográfico para criar belas cenas, com enquadramentos e iluminação diferenciados. Trabalhando com cenários fechados, que fugiram do que geralmente se vê nas novelas, Filho conseguiu imprimir realismo na ambientação dos personagens, o que fez a diferença em muitos momentos.
Outro destaque vai para a abordagem de muitos temas considerados difíceis para a TV aberta, como prostituição, sexo, homossexualidade e, especialmente, drogas. Não me lembro de nenhuma outra produção do gênero que tratou a questão do vício em entorpecentes com tanto realismo como em "Verdades Secretas". Mérito da equipe, que soube a forma mais inteligente de tratar desses temas sem provocar a reação daquelas "patrulhinhas" chatas e conservadoras que surgem por aí. Vale lembrar que o fato de ser exibida no final da noite também deu uma grande ajuda nessa questão.
Para terminar de falar das qualidades do folhetim, devo louvar o trabalho de alguns atores, especialmente, Grazi Massafera e Marieta Severo, que compuseram ótimas personagens. Camila Queiroz, Drica Moraes e Ágatha Moreira também tiveram boas atuações no folhetim.
Agora, você pode pensar: mas, com tantas qualidades, houve alguma coisa errada em "Verdades Secretas"? Sim, houve. O texto da novela era muito ruim, sofrível mesmo. Carrasco já mostrou, mesmo em outras oportunidades que é um autor de "mão pesada", que não consegue imprimir coloquialidade em seus diálogos, o que, por sua vez, acaba engessando o elenco, especialmente os atores mais jovens, e deixando todas as palavras soarem inverossímeis.
O pior de tudo, para mim, é que o autor consegue ser extremamente didático em seus diálogos, o que, na maioria das vezes, estragou importantes momentos da trama. Essas falas explicativas demais, sem nenhuma necessidade, deixam a impressão de que o público está sendo subestimado e que não seria capaz de entender o enredo sem essa "ajuda". Acho que essa prática é absolutamente condenável, pois, além de nivelar o público por baixo, prejudica o espaço dos textos de qualidade na televisão. É uma pena que roteiros como esse ainda tenham vez.
Divulgação/TV Globo
Ainda sobre o texto, cabe dizer que as situações extremamente repetitivas também prejudicaram o folhetim. No último mês, não houve um capítulo em que Carolina não perguntasse para Alex o motivo de tantos presentes dados a Angel. Carrasco também abusou da paciência do espectador ao sempre repetir a mesma tentativa de flagrante do casal Angel e Alex. Toda semana, Giovanna e Gui esperavam Carolina ir ao cabeleireiro para tentar flagrar o caso. Na última tentativa, também só porque a novela ia acabar, a filha de Alex decidiu ser direta e revelar toda a verdade para a mãe desavisada. Não poderia ter feito isso antes? É claro que sim! Que, então, fossem criadas outras situações anteriores que culminassem nessa revelação. Criatividade é sempre bem-vinda.
"Verdades Secretas" foi um sucesso incontestável, inclusive nas redes sociais. Resta analisar que tipo de sucesso foi esse. Para mim, pareceu que as cenas de nudez e sexo sustentaram a novela e provocaram a maior parte dessa repercussão. Mesmo com uma direção primorosa e boas abordagens de temas delicados, o folhetim termina muito prejudicado pelo texto ruim apresentado. "Verdades Secretas" foi uma novela de qualidades e defeitos gritantes, que esteve no céu em alguns momentos, mas foi levada ao inferno em pontos fatais. O que fica disso tudo é que precisamos exigir mais dos textos apresentados na televisão aberta, pois direção e atores para trabalhos de alta qualidade nós já temos. 

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