"Coisa Mais Linda" mantém discurso relevante, mas apresenta tramas de pouco movimento

Divulgação/Netflix

As mensagens transmitidas pelas trajetórias das personagens de "Coisa Mais Linda" são, desde a primeira temporada, a base de sustentação da história e representam a principal contribuição que a atração pode dar para quem assiste. O relevante discurso feminista é a força da produção e tem a capacidade de provocar inspiração, as mulheres, inclusive, têm mais propriedade para falar disso. No segundo ano da série, lançado recentemente na Netflix, isso não muda, mas os novos episódios deixam claro que é preciso investir mais em dramaturgia.
"Coisa Mais Linda" começa a segunda temporada com Malu (Maria Casadevall) se recuperando do tiro que levou de Augusto (Gustavo Vaz) no réveillon. Ela é informada que Lígia (Fernanda Vasconcellos), a melhor amiga, não resistiu aos ferimentos provocados pelo ataque do marido machista. Essa, no entanto, não é a única descoberta que a protagonista faz em 1960, depois da traumática virada de ano. Pedro (Kiko Bertholini), o marido que tinha fugido, resolve voltar para assumir a boate até então administrada pela esposa.
Ao mesmo tempo em que tenta impedir que Pedro transforme o clube musical em um restaurante, Malu retoma a parceria profissional com Roberto (Gustavo Machado) para tentar encontrar um novo talento para a indústria fonográfica, depois do sucesso de Chico Carvalho (Leandro Lima). Após uma noite especial só para mulheres, ela vê em Ivone (Larissa Nunes), a irmã de Adélia (Pathy Dejesus), o potencial de uma estrela e resolve investir na amadora.
A insegurança faz com que Ivone não consiga mergulhar de cabeça no mundo da música. Ao lado da irmã, ela também lida com a chegada do pai, que volta para o casamento de Adélia e Capitão (Ícaro Silva). Duque (Val Perré) deixou as filhas com a mãe, quando elas ainda eram crianças, por conta de problemas na relação com a esposa, o que gerou ressentimentos e mal entendidos.
Casada com Capitão, Adélia enfrenta alguns percalços no segundo ano da série. Ainda se adaptando à rotina de divisão de guarda de Conceição (Sarah Vitória) com o pai da menina, Nelson (Alexandre Cioletti), ela acaba percebendo que ainda gosta do antigo amor. Além de criar conflitos íntimos e com a amiga Theresa (Mel Lisboa), esposa de Nelson, a relação com o ex-patrão também coloca Adélia como alvo do preconceito de pessoas que não aceitam que uma mulher negra se relacione com um homem branco e ocupe mais espaço na sociedade.
Fora os problemas conjugais com Nelson, Theresa passa por mudanças na carreira. Depois de um período dedicada a um livro, o que permite que ela passe um tempo com Conceição, a jornalista começa a trabalhar em uma rádio, onde conhece e entra em conflito com Wagner Pessanha (Alejandro Claveaux), a estrela da emissora.
Como já dito na abertura do texto, "Coisa Mais Linda" continua valorizando o discurso feminista que sustenta a construção das personagens centrais, algo muito relevante em um mundo que precisa de cada vez mais espaço para essas mensagens. A série mostra como as leis da época prejudicavam as mulheres nos negócios e nas escolhas pessoais. Nos episódios que focam no julgamento de Augusto, vemos como o olhar machista da sociedade criminalizava as escolhas femininas e influenciava julgamentos, inclusive no judiciário. Todas essas abordagens provam que discussões do gênero ainda são necessárias, já que tudo isso segue acontecendo. As situações de racismo sofridas por Adélia também criam boas possibilidade de debate sobre preconceito e destacam como muitos desses comportamentos são repetidos e minimizados.
Divulgação/Netflix
Por mais que todas essas mensagens continuem potentes e relevantes, "Coisa Mais Linda" tem problemas dramatúrgicos no segundo ano. Mesmo no centro de muitos acontecimentos, os personagens se movimentam pouco, parecem ter partido de um ponto, no fim da temporada passada, para chegarem ao mesmo lugar, sem uma progressão significativa dessas trajetórias. Malu, por exemplo, apesar de todos os percalços e questões sentimentais, termina exatamente onde estava no fim do primeiro ano, sem qualquer adição de conflito ou mudança relevante.
Essa percepção ganha força diante das muitas tramas mal aproveitadas, que poderiam render mais para a história, mas são finalizadas rapidamente. Ainda falando sobre Malu, a protagonista enfrenta a volta do marido, o assédio de um vereador e a insegurança por amar dois homens ao mesmo tempo, mas, até pela quantidade reduzida de episódios, os conflitos gerados por essas histórias não são aprofundados. A relação de Adélia com Nelson, assim como o preconceito sofrido por ela, e os efeitos provocados pela volta de Augusto são outros exemplos disso.
É curioso observar que a segunda temporada da série assume de vez as influências que os folhetins têm sobre a história. Recursos comuns nesse gênero de dramaturgia, como os desencontros amorosos, os dilemas familiares, a chegada do marido sumido e a volta de um amor do passado, claramente sustentam os novos episódios. Muito utilizado em novelas, o "quem matou?" também aparece na produção, depois de uma sequência bastante folhetinesca sobre os conflitos com a vítima do crime.
A trilha sonora da produção continua bastante inspirada e ajuda na ambientação temporal da história. Além da bossa nova, importante naquele contexto, a série ganha ótimas adições musicais, como clássicos do samba e canções de Nina Simone e Charles Aznavour.
"Coisa Mais Linda" continua boa, especialmente quando se fala na relevância da mensagem feminista da série e das discussões levantadas sobre esse e outros temas abordados, como o racismo. No campo da dramaturgia, o roteiro precisa, no entanto, valorizar mais os conflitos e enriquecer a trajetória dos personagens, o que pode, inclusive, fortalecer o discurso já tão potente da produção.

COISA MAIS LINDA (segunda temporada)

ONDE: Netflix (todos os episódios disponíveis)

COTAÇÃO: ★★★ (boa)

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